INTERCOM – Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXV Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação – Salvador/BA – 1 a 5 Set 2002
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP17BREGUEZ.pdf
Os estudos de folkcomunicação
hoje no Brasil (1)
Prof. Dr. Sebastião Geraldo
Breguêz
A Folkcomunicação é uma
disciplina científica criada na década de 1960 pelo jornalista e professor Luiz
Beltrão com o objetivo de analisar os impactos midiáticos das manifestações
culturais das classes populares, que também são chamadas de classes
subalternas. Ao longo dos anos, ela se transformou em importante área de
reflexão acadêmica, dentro do universo comunicacional brasileiro, liderada por
dois principais discípulos de Luiz Beltrão: o seu sucessor imediato, o
professor Dr. Roberto Benjamin (UFRPE) e o professor Dr. José Marques de Melo
(Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação). Por incentivo destes dois pesquisadores,
junto com uma dezena de acadêmicos de várias partes do Brasil, foi criada a
Rede Nacional de Pesquisadores de Folkcomunicação, que já realizou três
congressos nacionais e está preparando o próximo para a cidade de Campo Grande
(MS), no portal do Pantanal Mato-grossense, região rica em manifestações
folclóricas, mas também de raras belezas naturais.
A proliferação de estudos e
pesquisas na área de Folkcomunicação – que estuda a interface que une a
Comunicação e o Folclore (Cultura Popular), com o intuito de oferecer condições
para uma reflexão permanente e aprofundada da repercussão do folclore na mídia
– fez com que as principais instituições nacionais e internacionais de Ciências
da Comunicação criassem Núcleos e/ou Grupos de Pesquisas nesta área como:
♦ ALAIC – Associação
Latino-americana de Ciências da Comunicação;
♦ FELAFACS – Federação
Latino-Americana de Faculdades de Comunicação Social;
♦ LUSOCON – Federação Lusófona
de Ciências da Comunicação;
♦ INTERCOM- Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
A Folkcomunicação, assim, se
dedica ao estudo “do processo de intercâmbio de informações e manifestações de
opiniões, idéias e atitudes da massa, através dos agentes e meios ligados
direta ou indiretamente ao folclore” (Luiz Beltrão). Assim, para entendermos o
seu verdadeiro campo de ação, temos que situar os dois itens básicos na análise
do tema: um significado de Cultura Popular (folclore) e um significado de meios
de Comunicação.
Cada época, com sua visão de
mundo tem imprimido novas concepções à ciência do folclore, desde o romantismo,
com a valorização da consciência histórica, origens míticas e volkgeist.
Buscando raízes populares nesse processo de consolidação dos Estados Nacionais,
o romantismo passou a valorizar as coisas do povo, conferindo-lhe o caráter de
entidade homogênea. Mas esta concepção romântica de povo, vista como uma espécie
de essência independente da divisão da sociedade em classes sociais, dotado de
alma popular -conforme escreve Fischer- é fato que até hoje acarreta bastante
confusão.
O povo não constitui uma simples
categoria abstrata, mas é elemento vivo, transformador, criador de valores
materiais e espirituais determinantes no desenvolvimento histórico. As
manifestações populares, por isso, encerram conteúdo vivo e dinâmico, numa
constante criação. O folclore pode ser muito bem visualizado - como insinua o
pensador italiano Antônio Gramsci - em termos de estruturas ideológicas da
sociedade: ao lado da chamada cultura erudita, transmitida nas escolas e
sancionada pelas instituições sociais, existe a cultura criada pelo povo, que
articula concepção de mundo e de vida contrário aos esquemas oficiais
dominantes. Há nesta última, é claro, extratos fossilizados, conservadores, e
até mesmo retrógrados, que refletem condições de vida passadas, mas também
criadoras, progressistas, que contradizem a moral dos extratos dirigentes.
É muito importante esta
visualização do problema, pois ela vai nos permitir verificar que em uma mesma
sociedade há duas formas distintas de cultura: uma cultura erudita, própria da
elite, dos grupos que detém o poder na sociedade burguesa - as classes
dominantes; e uma cultura peculiar á grande massa populacional, ao povo, às
classes subalternas. A cultura erudita ou clássica é, assim, formada por um
conjunto de símbolos e elementos míticos que caracterizam um processo de
desenvolvimento cultural avançado.
A cultura popular, entretanto,
reflete um simbolismo rústico, denotando um estágio anterior, mas não
estacionário, do desenvolvimento cultural. E é bom deixar claro que estas
diferenças são de grau, isto é, são determinadas socialmente pela própria
estrutura da sociedade, e não são diferenças naturais. Outra forma de
apresentar a mesma ideia é seguindo distinção: a cultura erudita é uma
realidade imposta de cima para baixo - dos produtores para os consumidores -
enquanto que a cultura popular é estruturada a partir de relação sociais no
coração da sociedade. Visto isto, cabe analisar a situação dos meios de
comunicação na dinâmica cultural. A sociedade é dinâmica, está em constante
evolução (às vezes, até em revolução) e, por isto, as culturas refletem esta
dinamicidade. Há aqui o fenômeno da comunicação que, sem querer
descaracterizar, provoca mudanças culturais importantes.
Os grupos, as classes, as
instituições não estão hermeticamente fechadas: intercomunicam-se
permanentemente. Não obstante disporem de simbolismo diferente, há neles faixa
comum - um campo de experiência comum, conforme observou Schramm, que permite a
troca de suas práticas de vida, dos seus usos e costumes, das suas concepções.
Em todo mecanismo de formação de cultura, a comunicação representa papel
primordial. Como processo social básico, a comunicação representa o próprio
motor- da configuração do simbolismo que marca o fenômeno cultural. É através
da comunicação que as gerações mais velhas transmitem às gerações mais novas o
seu acervo de experiências, os símbolos, as normas, os valores, os mitos.
É a comunicação que assegura a
sobrevivência e a continuidade de uma cultura no tempo, promovendo, inclusive,
a transformação dos seus símbolos em face dos novos fenômenos que o
desenvolvimento aponta. Entretanto, a influência dos meios de comunicação, o
predomínio da cultura de massa, e intensificação do avanço industrial com novas
tecnologias, e o turismo como fenômeno de lazer das multidões, novos desafios
foram lançados às manifestações folclóricas. Consequentemente, abriram novas
perspectivas ao estudo dos processos de transformação, aculturação a até mesmo
de destruição.
Um pesquisador de folclore, que
esteve num congresso em João Pessoa, recentemente, deu seu relato sobre o
assunto, contando o que tinha visto e ouvido. Disse que com o gravador ligado
ouvia com atenção uma velha de 80 anos que lhe contava uma história de Tancroso
da Carochinha. “Quando terminou -continuou- um garoto de uns 14 anos se achegou
e quis também contar a sua história. Eu fazia uma coletânea desses contos do
interior da Paraíba para o meu livro” "Estória da Boca da Noite e aceitei
a proposta do menino. Foi gravado, então, nada mais nada menos que a história
dos Três Porquinhos, difundida pelos estúdios de Walt Disney através de todos
os meios de comunicação”.
Este pequeno caso contado na
Paraíba é igual a outros tantos que ocorrem em todo o Brasil onde a penetração
dos meios de comunicação é uma realidade inevitável. Aliás, desde a década de
1960 a área de comunicação foi contemplada com generosa bibliografia sobre o
assunto, passando desde então a participar do diálogo interdisciplinar,
buscando compreender os novos fenômenos que se alastram com rapidez. O francês
Edgar Morim, especialista em problemas da comunicação e metodologia em ciências
sociais- analisando a homogeneização preconizada pelos mass-media, observa que
o folclore é absorvido pela cultura de massa e, posteriormente, universalizado
no "novo sincretismo", tal como os produtos naturais são
homogeneizados para o consumo.
Abrahan Moles, também francês,
lembra que a nossa era é das conservas culturais: os bens culturais (livro,
disco, cassetes, filmes) são etiquetados e preparados para o consumo nos
supermercados da cultura que encontramos nos centros urbanos. Evidentemente
esse processo conduz à perda da manifestação cultural enquanto expressão da
criatividade de um grupo humano nas suas constâncias e raízes – enfim, em suas
tradições culturais. Leva á descaracterização e a perda dos valores básicos de
memória e identidade.
Outros fatores vêem se aliar à
atuação dos meios de comunicação: as mudanças econômicas, as transformações
industriais ou mesmo a alta do custo de vida que não permite que o povo compre
a indumentária característica das suas manifestações ou fenômenos sociais como
o êxodo rural que provoca ruptura com a tradição, pois a população do campo vem
para as cidades em busca de melhores condições de vida. Com o crescimento da
sociedade industrial é inevitável a extinção progressiva do folclore enquanto
manifestação cultural espontânea. Isto porque o avanço cada vez mais intenso
das relações sociais e industriais engendra também o avanço da indústria
cultural que, em geral, se apropria das expressões que vêm do povo
imprimindo-lhes novos significados.
Se o folclore no Brasil constitui um campo de
exteriorização simbólica da maior importância não é por outra coisa senão
porque o grosso da população vive marginalizada e alijada das garantias e
regalias da civilização urbano-industrial e sua expressão cultural é
manifestada em diversas formas da cultura oral. Mas não é preciso, entretanto,
assegurar a permanência da miséria como sustentáculo material do folclore, nem
tampouco se deve cultuar nostalgicamente o estágio pré-industrial da sociedade
para assegurar a existência da cultura popular. O que se torna necessário é a
atuação do Estado, através de suas instituições culturais, para manter e
proteger as manifestações culturais e espontâneas do povo.
Esta ingerência, evidentemente,
pressupõe um Estado de composição democrática no qual o folclore fique ao
abrigo das adulterações provocadas pelo dirigismo propagandístico. E que exerça
papel de autoconhecimento do povo brasileiro, como queria um dos seus maiores
pesquisadores, o saudoso Mário de Andrade. Autoconhecimento de uma cultura
marcada pela oralidade e pela herança afro-indígena e que espelha, como
documento, a situação existencial e cultural das camadas subalternas da
população que faz este país crescer. Conclusões Inúmeras são as conclusões que
se podem tirar da ação dos meios de comunicação sobre o folclore. A principal
delas, entretanto, refere-se ao fato de que esta atuação é um fenômeno
inexorável. Como fenômeno sociocultural o folclore não está dissociado da
superestrutura da sociedade e, portanto, não pode fugir aos dinamismos próprios
daquela.
Se os meios de comunicação
destruirão o folclore, é afirmativa difícil de fazer e, creio, improvável de
acontecer. O folclore passará por mudanças, pois mudanças são naturais aos
fenômenos socioculturais; passará por descaracterizações, perderá a sua
espontaneidade, mas se manterá como cultura de uma camada da população que não
participa efetivamente da estrutura de poder da sociedade, e que existe em
contraposição à cultura oficial. O problema pode ser descrito na sentença que
deu origem a peça de teatro de Oduvaldo Viana Filha e Ferreira Gullar: "Se
correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Ou seja:
1. Se subvencionado, o folclore
perde a autenticidade, deixando de ser criação popular, que se mantém pelos
próprios meios, para se transformar em algo oficial;
2. Se mantido como atração
turística, haveria a seleção de apenas alguns grupos, nem sempre os melhores,
que passariam a ser uma espécie de figurinhas de presépio, fazendo o show pelo
show, sem nenhuma preocupação com a sua identidade cultural, e condenados a
permanecer dentro de seus papéis decorados de marcação teatral preestabelecida,
porque qualquer alteração desagradaria os empresários;
3. Se apenas fotografado,
filmada, gravado ou transcrito em livros (documentado, enfim) se tornaria peça
de museu, material inerte, que seria colocado ao lado de osso de dinossauros -
o que contraria a definição, que é coisa viva e não matéria morta que se
pendura na parede;
4. Se viesse a concorrer com a
indústria cultural, através de programas de rádio, televisão, teatro, disco,
cinema ou livro, teria que se sujeitar aos ditames da moda para se impor no
mercado- e seria tudo, menos folclore;
5. Seu aproveitamento para o
teatro, a música e a coreografia moderna o desfigurariam totalmente,
transformando-o numa caricatura conforme já se pode ver através de grupos para
- folclóricos existentes aqui em Minas Gerais.
6. Finalmente, a solução mais
coerente é deixar o folclore seguir a dinâmica que as relações sociais lhe
imprimem, pois como disse o lúcido Hermilo Borba Filho: "O povo é dono do
espetáculo e pode transformar o folclore da maneira que quiser".
A ingerência do Estado, que
defendo, deve se limitar a não permitir que grupos e entidades atuem,
interferindo direta ou indiretamente para condicionar ou direcionar os rumos
dos fatos folclóricos.
( (1) Trabalho
apresentado no NP17 – Núcleo de Pesquisa Folkcomunicação, XXV Congresso Anual
em Ciência da Comunicação, Salvador/BA, 04 e 05. setembro.2002. INTERCOM –
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXV Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação – Salvador/BA – 1 a 5 Set 2002
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