CULINÁRIA MINEIRA DO CAFÉ. Por Sebastião Breguez. Capítulo do livro CAUSOS, CAFÉ E COMPANHIA, SINPRO-MG, BELO HORIZONTE,2006.
CULINÁRIA MINEIRA DO CAFÉ
QUANDO O MINEIRO TOMA CAFÉ, UAI !
Por Sebastião Breguez
Tomar café é um hábito cultural de todo o brasileiro. Afinal somos o maior produtor e exportador do grão para todo o mundo. Este costume já tem mais de três séculos e é bastante conhecido aqui e nos quatros cantos do mundo. Em Minas Gerais, a tradição tem seu próprio ritual. É um hábito que é sinal de sociabilidade, mineiridade e brasilidade. Quando um brasileiro vai ao exterior, todo mundo exclama: Brasil, Pelé, Café, Futebol, Carnaval!!!
Embora ao café não seja originário do Brasil, pois foi trazido da Etiópia (País da África), aqui se desenvolveu. Foi descoberto pelos jesuítas que observaram que as cabras que comiam o grão da fruta café ficavam mais espertas e vistosas. Daí passaram a fazer infusão do café para dar aos escravos que passavam a trabalhar com melhor disposição.
A partir daí, o café foi descoberto como produto fundamental para começar o dia com mais energia e bem estar. O seu cultivo foi introduzido na agricultura com intensidade e ganhou renome. Passou a ser produzido em massa para consumo nacional e exportação. Chegou a ser o principal item de nossa exportação. Fazendas e fazendas do café surgiram e tornaram ricos e prósperos inúmeros proprietários, principalmente, na fase do Brasil República. Ali os barões do café dominavam a cena política e a economia. Tudo girava em torno do precioso grão. Muitos presidentes da República foram eleitos ou depostos pelos barões do café que eternizaram a cena política com a fase da política Café com Leite. Não só os barões como também os coronéis.
A tradição contaminou outros países como a França, onde os Cafés e as Cafeterias tornaram-se ponto de encontro para paqueras, conversas, negócios, artes e centros de decisões políticas e empresariais. Tomar um cafezinho era uma palavra de ordem para discutir, avaliar e decidir alguma coisa. O Brasil herdou da França esta idéia dos cafés e introduziu no Rio Janeiro (então capital do Brasil) as primeiras cafeterias. Elas se transformaram em centros de decisão da história nacional.
O mineiro toma café várias vezes ao dia. Pela manhã, após levantar-se do leito e fazer as primeiras higienes, vamos para a mesa. Ali o café é completo e ricamente preparado e ornamentado. Acompanha leite, frutas, doces, geléias, manteiga, presuntos, queijos, requeijões e uma variedade de pães (pão francês, pão doce, pão de batata, pão de queijo, pão de milho), bolos, broas e biscoitos.
Depois quando chega ao trabalho, há sempre um cafezinho à espera. Lá pelas 9horas, outro intervalo para tomar café e comer alguns biscoitos. No trabalho há sempre um espaço social para este lanche em que o café é item essencial. Quando chega alguém, serve-se de novo o cafezinho. Assim, tomam-se quantos cafés foram necessários para agradar ou receber alguém, iniciar uma conversa de negócio ou amizade. Até mesmo iniciar um namoro ou sedução.
Depois do almoço, sempre há um bom café para tomar. Pois segundo a tradição, o café serve ‘para ajudar na digestão’. Hoje a tradição do café expresso, tipo italiano, já está sendo introduzido no Brasil, principalmente, pelas pessoas que tiveram oportunidade de viajar ao exterior ou morar fora do Brasil por alguns anos. O café expresso torna-se um vício.
Lá pela tardinha, três ou quatro horas da tarde, é hora do encontro do café. Um encontro mais demorado, mais descontraído, mais recheado de guloseimas também. Pois ai vem o pão de queijo, o queijo do Serro ou frescal, manteiga, requeijão, biscoitos, bolos e doces. O intervalo para o cafezinho faz parte do ritual diário do brasileiro seja em casa seja na empresa.
Mais tarde, em vez do jantar, vamos sentar-se à mesa para mais um café requintado. No meio da noite ou antes de dormir, o café requintado acompanhado de guloseimas, é mais uma vez servido como última refeição do dia do mineiro e do brasileiro.
Aqui em Belo Horizonte, a gente tinha um ponto de encontro na Praça Sete, no centro da cidade, nas esquinas das avenidas Amazonas e Afonso Pena. Era o Café Pérola. Ali se encontravam pessoas diversas das mais variadas idades e posições sociais para tomar um cafezinho e prosear um pouco. O ponto de encontro serviu também para as campanhas políticas de vereador, deputado e presidente da República. Todos os candidatos, de Collor a Lula, pararam ali para tomar um cafezinho e cumprimentar as pessoas. Ali o cardápio tem dois itens: um cafezinho e boa prosa. Nada mais, mas já é o bastante para dar resultado.
ALGUMAS ESTÓRIAS/HISTÓRIAS
Vou relacionar aqui alguns causos do café aqui em Minas e também no mundo, nos lugares onde passei em minhas andanças como repórter.
1
Em campanha política, com alguns candidatos, a gente percorria vários pontos da cidade, bairros pobres e bairros ricos. O candidato quando anda pelas ruas e é chamado a entrar em uma casa, recebe logo um cafezinho. ‘Vem cá doutor tomar um cafezinho’. O político não pode negar, tem que aceitar. Ai há vários tipos de cafés: quente, morno, sem doce, amargo, fraco, forte! Tomar o café é sinal de simpatia e adesão ao candidato. Às vezes o café vem com pó, ou está sem doce, o sorriso tem que ser igual senão atrapalha o encontro. Já vi candidatos passarem apertado com a quantidade de café e a qualidade do mesmo. .O café é forte e gostoso nos bairros ricos e fraco e amargo nas favelas.
2
Cada região e cada povo têm sua própria forma de tomar café. O mineiro toma um cafezinho depressa, engole rápido, até queima a língua, conversa e vai embora. O francês toma lentamente o cafezinho, deixa esfriar, e em torno de uma xícara, conversa mais de uma hora. Em Portugal, toma-se uma Bica de Café, é o nome do cafezinho. Em São Paulo, o paulista gosta da média de café (café com leite servido em xícara ou copo grande). No Rio, o carioca, gosta do pingado, o café com leite que pode ser grande ou pequeno. Na Bahia, toma-se café saboreando um acarajé ou comendo um cassetinho (pão de sal). No Nordeste brasileiro, toma-se café com cuscus ou tapioca. Já o grego faz o café e deixa o pó na xícara. Come um pão de bisnaga só com uma xícara. O inglês prefere o chá preto (da Índia), mas toma café em alguns momentos. O irlandês já prefere o café frio, com chantilly e uísque, e demora em tomar, aproveitando para conversar. O hindu toma café com leite e alguns lugares da Índia, como o Cachemira, usa-se o sal e não o açúcar (por causa da altitude, o sal não deixa a pressão cair). O italiano é quem criou o café expresso, uma receita que conquistou o mundo. Usa-se boa quantidade de pó para fazer apenas uma pequena xícara de café. A bebida, assim, fica mais forte.
3
Uma vez em viagem nos Estados Unidos, na Flórida, com minha esposa, ficamos em um hotel em Miami. No primeiro dia o café veio como um primeiro almoço: café, leite, omelete, frutas, sucos, presuntos, salsichas, torradas, croisants, bolos, biscoitos, pães, queijos. No segundo dia, minha esposa quis mudar e pediu um café tropical. O garçom serviu uma xícara de café com leite, uma croissant, um pão com manteiga. Só. Ela tomou um grande susto, pois, pensou que café tropical seria com maior variedade de frutas e sucos de frutas tropicais.
4
A primeira vez que fui à Rússia, em Moscou, ficamos em hotel categoria internacional. O garçom, pela manhã, serviu na mesa o café russo. No cardápio café, leite, pão, omelete, queijo, presunto, salsicha, ovos mexidos, repolho, batata cozida, sucos e frutas diversas. Um verdadeiro almoço. O que chamou a atenção foram a batata cozida e o repolho fatiado e bem temperado. Dá para sustentar bem!
5
Num congresso de Comunicação, em Belo Horizonte, no Hotel Mercure, os congressistas recebem convite para um Café Mineiro às 19hs, em lugar do famoso coquetel de abertura. Todo mundo estranhou. Foi todo mundo em vestido, terno e gravata, para o local do evento. Foi uma surpresa. Na entrada da sala, degustação de cachaça mineira, com torresmo, lingüiça, mandioca frita. Numa mesa, os caldos mineiros: dobradinha, caldo de feijão, caldo de mandioca, canjiquinha, caldo verde. Noutra mesa, bolos, biscoitos, queijos, doces. Noutra feijão tropeiro, costelinha de porco com mandioca, pão de queijo, pastel de angu. Nada de café.
6
Uma vez fomos a Portugal, chegamos a Lisboa e de lá para a casa de amigos. No outro dia, fomos a Sintra, cidade termal perto de Lisboa, onde os reis tinham o palácio de verão. Lá entramos na cafeteria mais conhecida para tomar um cafezinho. Na mesa, escrevemos um cartão postal para enviar a amigos e parentes de Minas Gerais com os seguintes dizeres: “Chegamos a Portugal. Enfrentamos a bicha. Entramos no comboio. Chegamos a Sintra. Entramos na periquita da mulher. Tomamos uma bica e comemos um travesseiro”. Tradução: Chegamos a Portugal, onde tinha fila imensa. Pegamos o trem até Sintra. Fomos tomar café (biquinha de café) no bar Periquita, de conhecida portuguesa. Comemos um pão folhado de amêndoas conhecido como travesseiro. A tradição de tomar cafezinho em Portugal chegou com os brasileiros. Os primeiros expressos em Portugal foram vendidos no café A Brasileira, em Lisboa. Muitos clientes acharam o gosto do produto um tanto amargo. Para contornar o problema, a direção da cafeteria criou um slogan para atrair os clientes: Beba Isso Com Açúcar. A campanha deu certo e a frase ficou tão marcada que o uso das iniciais de cada palavra - bica - passou a ser sinônimo de cafezinho no país.
7
Existem muitas curiosidades mundiais do café. Pois, o café é, ao lado da cerveja, a bebida mais popular do planeta. Apesar da preferência, as suas formas de consumo são tão diversas, que podem fazer com que o consumidor mais desavisado tenha grandes surpresas. Isto se reflete nas variadas receitas de café que encontramos no Brasil e em Minas Gerais em função da variedade da influência cultural. Veja como o café é consumido em alguns lugares do mundo. Na França, ele é bebido juntamente com chicória. Na Áustria, pode-se beber o produto juntamente com figo secos, sendo que em Viena, a capital, é uma tradição o oferecimento de bolos e doces para acompanhar o café com chantilly. Na África e Oriente Médico, acentua-se o sabor do café com algumas especiarias como canela, cardomomo, alho ou gengibre. Na Bélgica, o café é servido com um pequeno pedaço de chocolate, colocado na xícara, que logo se derrete dando outro sabor ao café. Na Itália, a preferência é pelo café expresso servido em xícaras pequenas. Na Grécia, ele é acompanhado por um copo de água gelada. Em Cuba, o café doce e tomado de um só gole. No Sul da Índia, o café é misturado com açúcar e leite e servido com doces. Na Alemanha, em algumas regiões é servido com leite condensado ou chantilly. Na Suíça, adiciona-se ao café um licor, o "kirsch". No México, em muitos lugares, o café é oferecido gratuitamente e pode ser consumido em grandes quantidades. O chamado café americano, como é conhecido no México, é o mais consumido e é uma cópia do que se bebia até poucos anos nos Estados Unidos: aguado e com pouco sabor
8
Minha avó materna tinha poderes de fazer previsões e dizia que se podia ver o futuro nas borras de café do coador. É uma santa arte divinatória praticada em Minas Gerais, e conhecida pelo folclore. A leitura da borra é chamada de cafeomancia. Para que esta leitura seja feita, deve-se observar a figura que se formou no fundo da xícara. Hoje, este costume tem uma difusão forte entre alguns grupos isolados, como os ciganos, por exemplo e nas classes populares. No entanto, relatos apontam que a cafeomancia já foi muito mais forte e responsável, inclusive, por algumas decisões de grande vulto na história. Para se iniciar a consulta, deve se esperar que o café esfrie um pouco. O consultante deve começar a tomar lentamente e concentrar-se no que deseja saber. Assim que tiver terminado, a xícara deve ser coberta com um pires e virada de cabeça para baixo com um movimento rápido. Depois, usando a intuição deve-se observar as formas que irão aparecer. Os manuais de cafeomancia dispõem que uma boa leitura depende de dois fatores: o conhecimento do significado das figuras e o local em que elas aparecem na xícara. Se as imagens se formarem à esquerda da asa é sinal de que está sofrendo influência do passado. À direita, significa que está sob influência de fatos futuros; próxima da asa ou da borda, indica que o resultado da sua leitura aparecerá mais rápido; nas laterais, os acontecimentos serão mais para o futuro.
RECEITAS MINEIRAS
BISCOITO MENTIRA
Uma vez, a Comissão Mineira de Folclore resolveu fazer uma reunião, um encontro em forma de confraternização, em cada do folclorista e jornalista Carlos Felipe. Cada um levou um tipo de coisa: biscoitos, bolos, pães diversos, quitandas. O Frei Xico, franciscano holandês, pesquisador de folclore, levou uma novidade: Mentira, um tipo de biscoito, em forma de farrapos (formato irregular), mas muito saboroso. Foi um sucesso. Eis a receita:
INGREDIENTES
- 2 xícaras de chá de açúcar
- 1 xícara de farinha de trigo
- 2 ovos
MODO DE PREPARO
Bater os ovos como para pão de ló, juntando aos poucos o açúcar e a farinha. Pingar numa assadeira untada e polvilhada. Assar em forno quente.
CAFÉ TEMPERADO
Nos dias quentes de verão, nas fazendas mineiras, costuma-se tomar um café diferente à tardinha. Em algumas de minhas andanças aprendi a receita abaixo conhecida como Café Temperado.
INGREDIENTES
-3 xícaras (chá) de café solúvel de boa qualidade, quente e forte, feito com sete colheres (chá)
-2 favas de baunilha abertas ao meio
-4 cravos da Índia
-folhas de hortelã
-4 colheres (sopa) de creme de leite fresco
-gelo moído
-Açúcar a gosto
MODO DE PREPARO
Coloque o café quente sobre a baunilha e os cravos da Índia e deixe descansar por uma hora. Coe o café e adicione o creme de leite. Adoce a gosto. Coloque o gelo moído nos copos altos, acrescente a mistura e sirva com canudos. Decore com folhas de hortelã.
CACHAFÉ
Mineiro, que é da gema mesmo, usa cachaça para dar gosto ao café. É o Cachafé. Usa-me muito nas noites frias das montanhas de Minas. Ajuda a esquentar e passar o frio.
INGREDIENTES
-2 colheres (sopa) de gelo moído
-100 ml de cachaça de boa qualidade
-100 ml de cachaça de boa qualidade
-100 ml de licor de creme
-100 ml de café de boa qualidade, forte e gelado
MODO DE PREPARO
Coloque o gelo em um copo alto e acrescente a cachaça, o licor e o café. Se preferir, acrescente açúcar a gosto e mexa. Sirva com canudo e decore o copo como você preferir.
BOLO DE BANANA COM CAFÉ E CASTANHA PICADA
Cada vovó tem suas receitas que guarda em caderno com muito carinho. Quando quer fazer uma coisa diferente, vai lá no baú, tira o caderno e prepara a receita. Vai ai uma receita diferente de bolo do fundo do baú da mineiridade.
INGREDIENTES
-7 bananas
-3 xícaras de farinha de rosca
-3 xícaras de farinha de rosca
-3 xícaras de açúcar
-5 ovos
-uma xícara de óleo
-uma colher de sopa de café solúvel de boa qualidade
-uma colher (sopa) de fermento
-100g de castanha picada
MODO DE PREPARO
Bata no liquidificador as bananas, os ovos e o óleo. Misture com os demais ingredientes, acrescentando por último o fermento e castanha picada. Leve ao forno (temperatura média) para assar em uma forma untada com manteiga e farinha de rosca por 40 minutos.
JIRAMISSÚ
Variedade e criatividade na cozinha. Este é um traço fundamental da culinária mineira. Ela reflete a influência cultural de vários povos, além do branco português, do negro africano e o índio. Pois aqui em Minas recebemos libaneses, sírios, turcos e outros povos árabes, franceses, espanhóis, alemães, italianos, holandeses, japoneses, chineses, gregos e muito mais. Portanto a nossa cultura é uma mistura de tudo isto. Segue ai uma receita de Jiramissú para saborear no calor do verão.
INGREDIENTES
-6 gemas
-1/2 xícara de chá de açúcar
-1 pitada de sal
-450g de requeijão firme
-2 xícaras de chá de café de boa qualidade, frio e forte
-30 biscoitos champagne com açúcar fino
-1 colher de chá de baunilha
-2 colheres de sopa de licor de cacau
-100g de chocolate meio amargo raspado
MODO DE PREPARO
Bata por 5 minutos as gemas, o açúcar, sal e a baunilha na batedeira. Acrescente o requeijão e bata até ficar cremoso e firme. Reserve. Em um prato fundo coloque o café e o licor, molhando rapidamente parte dos biscoitos nessa mistura. Forre o fundo e as laterais de seis xícaras de chá com biscoitos. Despeje a mistura de queijo e o chocolate ralado. Molhe os biscoitos restantes, arranje-os em pé nas laterais das xícaras e coloque o restante da mistura para firmá-los. Por cima coloque o restante do chocolate. Gele por 4 horas antes de servir.
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