sábado, 15 de abril de 2017

FOLKCOMUNICAÇÃO DA QUEIMA DO JUDAS

FOLKCOMUNICAÇÃO DA QUEIMA DO JUDAS


Por Sebastião Breguez



Anúncio de Malhação de Judas em Belo Horizonte, dia 15 abril 2017, as 12hs, no centro da cidade


Folkcomunicação é uma teoria criada, na década de 1960, pelo pernambucano Luiz Beltrão, criador das Ciências da Comunicação, no Brasil, para designar os estudos dos processos comunicacionais populares nas sociedades em processo de desenvolvimento. Ela engloba duas ciências, a Comunicação e a Antropologia. Ela estuda como se dá esta comunicação entre o popular, o erudito e a comunicação de massa. Na verdade, a Folkcomunicação é a primeira teoria brasileira da Comunicação que mostra que os processos reais (verdadeiros) da comunicação popular no Brasil não se articulam na Mídia (jornal, revista,rádio, TV). A Malhação de Judas ou Queima de Judas é um evento do calendário folclórico brasileiro que existe desde o Brasilia Colônia, trazido pelos portugueses e que sobrevive até hoje. Na América Latina a Queima de Judas é ainda um acontecimento bastante celebrado pelo povo. É de influencia católica. 


Todos os anos, no sábado de Aleluia, em algumas cidades ou mesmo em pontos de mesma cidade, acontece a Queima de Judas ou Malhação de Judas, que simboliza a morte do apóstolo Judas, traidor. Judas, um dos doze apóstolos, traiu Jesus por 30 moedas de ouro e o entregou ao Sinédrio - conselho supremo e representação dos judeus perante os romanos. Daí também a superstição do número 13 na sexta-feira na tradição popular. 

As pessoas sempre consideram o folclore simplesmente como gozação, algo bizarro, extravagante, pitoresco, brincadeira ou algo lúdico que provoca riso e vê a manifestação popular, quase sempre, como algo ligado ao passado, apenas ao visual e rememorativo ou com finalidades de religiosidade popular, não encontrando nela a sua permanência viva, sua existência e aplicação na vida diária e na própria evolução da pessoa. Talvez por isso não se observa que no folclore há, também, momentos e fatos em que a crítica social é exercida de maneira clara e ostensiva. É que o folclore é a cultura do povo ou das classes subalternas ao poder dominante. 

As manifestações populares estão carregadas de crítica social ao sistema político e econômico dominante que existe. Basta analisar a literatura de cordel, os cantos “secretos” do candombe (o candomblé secreto), os ditados populares, as marchinhas de carnaval, as frases de banheiro, as pichações dos muros, as frases de caminhão, as frases de camisetas, as linguagens ocultas, as danças representativas de sentimentos escondidos, o exagero de certos traços exagerados das figuras populares do nosso artesanato (a expressão e o tamanho do nariz, da boca, das orelhas etc) e assim por diante. No meio de tudo, no conjunto dos fatos folclóricos se evidencia a crítica e o protesto e, de acordo com tradição secular, manifesta hoje em dia em diversas formas comunicacionais ou folkcomunicacionais. Folkcomunicação é tudo que o folclore comunica ou expressa e manifesta de idéias, sentimentos e opiniões.

Na Era da Civilização Cibernética, digital, com o poder cada vez maior das Redes Sociais, a Queima do Judas representa uma condenação feita pelo Juiz Maior de uma comunidade, o Povo (o Juiz Moro que reina na imaginação popular) das pessoas e entidades com seus atos e coisas erradas. Antes da execução, há a leitura do Testamento, em que se vai relacionando os crimes ou omissões praticados pelo 'Judas' do dia. É um momento em que o povo exerce a sua função de Juiz, numa atitude muito mais antiga, por exemplo, do que estamos voltando a ver nas marchinhas de carnaval. Sempre há um personagem impopular para ser julgado.

Em 2016, por exemplo, Eduardo Cunha foi um dos mais presentes nas máscaras e nos bonecos de Judas. Este ano a figura de Michel Temer lidera as manifestações. Mas tem outros e muitos. Basta acompanhar a divulgação das listas de Fachin, Janot ou da planilha da Oderbrecht. Os jornais mostram no noticiário a bandidagem que aparece, com lugar para presidentes, governadores, senadores, deputados, dirigentes de estatais, empresários poderosos e tantos e tantos outros. Provavelmente na História do Brasil nunca tenha existido uma quantidade tão grande de Judas em disponibilidade para a execração popular, ao lado das pessoas comuns que vivem ao nosso lado e são também “obsequiadas” pelas “gozações” do boneco a se queimar. Enfim, “Judas” é que não faltam no Brasil 2017. E o “sábado de aleluia” é o dia certo para sua queima. É o povo fazendo seu julgamento, exercendo o seu direito com a queima dos seus condenados.

A queima de Judas acontece sempre no sábado seguinte à Sexta-feira da Paixão. Populares se concentram em praças públicas para aguardar a leitura do testamento de condenação do traidor de Jesus. Judas é boneco de pano que hoje representa não só o apóstolo como também políticos, jogadores de futebol ou personagens que estejam sendo visto mal pela opinião pública por alguma acontecimento negativo. Consiste em surrar um boneco do tamanho de um homem, forrado de serragem, trapos ou jornal, pelas ruas de um bairro e atear fogo a ele, normalmente ao meio-dia.
De corpo magro, desengonçado e inexpressivo o boneco de pano tem a estatura de uma pessoa de 1,70m aproximadamente, e custa R$150. Recheado de fogos de artifício, o que promove grande show pirotécnico, Judas aguarda apenas a execução de sua sentença de morte que acontece à meia noite ou ao meio dia, dependendo da região, quando, enfim, ele paga pelos pecados por trair Jesus Cristo com um beijo no rosto e em seguida o vender por trinta dinheiros. Os bonecos são confeccionados por artesões de cada cidade.

Uma curiosidade do evento é o testamento da condenação. Trata-se uma sátira das pessoas e coisas locais, preferencialmente escrita em versos. É colocado no bolso do boneco, e alguém deve tirá-lo e ler para todos. A brincadeira só tem graça para o povo da cidade que vive o seu dia-a-dia e conhece os personagens com quem ou a quem o Judas se refere:

“Deixo o sapato rosa com bolinhas azuis para o João
O José me pediu o chapéu de fitas, deixou pra ele
A gravata borboleta deem ao Pedro, como garçom fará bom uso
O paletó já havia prometido para o Carlos, ele usará pra procurar emprego
O cinturão é a cara da Maria, os filhos dela que se cuidem
A camisa social vai para o Geraldo, quem sabe agora ele para de enrolar e se casa
A calça tamanho 56 serve no Antônio”.

Em Belo Horizonte, uma Queima de Judas foi realizada na Avenida Brasil, nº 41, às 12hs, no centro da cidade, e o boneco Judas representa o Presidente Temer. A explosão de denúncias contra a corrupção envolvendo toda a classe política, a reforma da Previdência proposta por Temer, que não tem aceitação popular e a crise econômica com alto índice de desemprego. Tudo isto reflete na imagem do Presidente da República. 


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