REVISTA DA
COMUNICAÇÃO, Rio
A AVENTURA DA
REPORTAGEM NO EXTERIOR
Prof. Dr. Sebastião Breguez
breguez@uai.com.br
Trabalhar como correspondente no Exterior é um ideal que
todo repórter nutre, e quando a oportunidade
chega, traz um grande desafio profissional. Primeiro é preciso vencer o obstáculo da língua do país, depois tem a questão
cultural e, por último, a preocupação
com as fontes de informações. Tive
essa oportunidade,
em 1980, quando embarquei para a França. Depois de ter ocupado vários
cargos na imprensa
mineira — de repórter a
editor —, ganhei uma bolsa para jornalistas
da Fundação Rotary International
e fui
morar em Estrasburgo, capital da Alsácia, França germânica, sede do Parlamento Europeu, do Conselho da Europa e da Corte Européia dos Direitos do Homem.
A bolsa era
para estudos e viagens nos países da Comunidade Econômica Européia, mas
aproveitei para escrever dezenas de matérias para o Estado
de Minas, de Belo Horizonte, e Jornal do Brasil e a recém
criada EBN-Empresa Brasileira de Notícias, em Brasília, uma espécie de
agencia oficial de notícias brasileira.. O prato
quente eram os assuntos importantes dentro da CEE: a política
econômica da Europa comunitária, as querelas na Corte Européia dos Direitos
Humanos e as relações internacionais vistas segundo os europeus. A grande fonte era o Parlamento Europeu,
sediado em Estrasburgo, e que tinha o Clube dos
Jornalistas Parlamentares
— uma reunião de jornalistas
dos países europeus e asiáticos e norte-americanos. A sala de imprensa do Conselho de Europa era
imponente, possuía dezenas de telex, serviço de telefoto, telefones, salas de
rádio e TV. laboratório de fotografia e tudo o mais. Eram mais
de 50 repórteres de jornais, rádios
e TVs reunidos semanalmente nos
debates políticos mais importantes. O serviço de tradução incluída versões simultâneas em quatro línguas principais como o inglês, francês, italiano
e espanhol, e, às vezes, alemão.
A primeira cobertura marcante para mim foi a
eleição do socialista François Miterrand à Presidência da Franca, em 1981. É
que ninguém acreditava na vitória de Miterrand. nem mesmo os mais expressivos
líderes da esquerda européia. Tinha feito
entrevista com o Diretor do Instituto
de Altos Estudos Europeus, François
Dreyfus, grande especialista em política
francesa, e seu prognóstico era de que o socialista perderia,
principalmente na Alsácia, região conservadora onde a direita era
bem instalada. Mas o resultado foi favorável a Miterrand, que se elegeu
com apenas 3% de vantagem; teve que
se aliar aos comunistas, em regime de coalizão,
para ter maioria no Congresso francês. A visão da vitória socialista, a partir de uma região sede do gaulismo (continuadores
da mesma política de Charles de Gaulle) é
que foi a novidade. Houve manifestações de rua, carnaval, festas e distribuição
de chopp na periferia de Estrasburgo.
Como região bem germânica, a Alsácia é onde
se produz a quase totalidade de
cerveja e vinho branco da França.
Depois dessa aventura, recebi convite para trabalhar na Rádio Nederland, em
Hilversum, capital do rádio e TV holandesa.
Foi através de um contato com o jornalista Jacob Borenstein, chefe da pequena equipe brasileira lá.
Precisava apenas um teste de
voz para consolidar a proposta. A Rádio Nederland, assim como a BBC de Londres, queria criar um
programa de jornalismo mais
dinâmico, em língua portuguesa, para ser levado ao ar todas às noites
para o Brasil. Deu tudo certo e fiquei lá por algum tempo em que aprendi a
conhecer a Europa central. O trabalho era em equipe, com cinco pessoas, que
discutiam a pauta: assuntos que poderiam interessar ao público brasileiro e, ao
mesmo tempo, introjetar uma imagem
positiva da Holanda, enfim, um trabalho de relações públicas via radio. Lembro-me
da primeira conversa com o Diretor
de Jornalismo
da Rádio Nederland-. ele disse que os holandeses queriam "faturar" mais no Brasil, aumentar a fatia nos negócios e, para
isso, precisavam vender a idéia de que
a Holanda tinha um "way of life" interessante.
Afora o ultramoderno
equipamento, o jornalismo radiofônico em Hilversum tinha pontos comuns com o
praticado aqui. O som era perfeito, as salas de gravação, dotadas com as últimas
novidades japonesas e americanas. As atividades cotidianas eram comuns às praticadas aqui,
à exceção
da língua
(falava-se inglês), e, quando esbarrava em texto em holandês,
recorria-se a um tradutor. Mas a Rádio Nederland mantém programas para quase todos os
países do mundo em línguas variadas, como
inglês, francês, alemão, espanhol, português, árabe, italiano e outras.
Para o público brasileiro, eram oito programas diários, de segunda a sábado:
noticiário internacional, a partir das
19h30min; Europa 81, às segundas-feiras, com esporte,
espetáculos, músicas de sucesso e atualidade européia; Aqui na Holanda, às
terças-feiras, com comentários sobre a vida diária na Holanda, a participação
do povo na evolução da sociedade e bate-papos informais; Vitrine das Artes, arte
e música clássica de maneira diferente, as quartas-feiras; Onda Curtição, novidades
do mundo das comunicações e sucessos musicais na Holanda, as quintas-feiras; Giramundo, análise das relações internacionais,
com ênfase para assuntos de interesse
do Terceiro Mundo e Brasil, às
sextas-feiras; e, nos sábados, o Correio do Ouvinte, uma
espécie de encontro de ouvintes de
todos os países de língua portuguesa,
principalmente o Brasil. Havia ainda
o Ponto de Encontro, programa em que as perguntas dos ouvintes eram respondidas, assim como os pedidos musicais eram atendidos. O trabalho era parecido com o estilo que hoje temos
nos canais educativos aqui no
Brasil; são programas culturais e educativos
que visam a criar imagens positivas —
uma espécie de comunicação
institucional do governo. É o caso aqui,
em Minas Gerais, da Rádio Inconfidência e da TV Minas, do governo do Estado, que
estão ligadas institucionalmente
a Secretaria de Estado da Cultura e fazem parte da execução da política
cultural do governo. Na Holanda, cuidava do noticiário internacional e passei a
editar o Giramundo,
que analisava a política internacional e suas repercussões
sobre o Brasil e a América Latina. Eram 25 minutos de programa semanais, às sextas-feiras, das 20h às 20h25min. Para a elaboração do programa, era necessário ler os jornais diários (lia em inglês e francês), alem do material enviado pelas agendas. O material
principal era selecionado e, depois, redigido e editado com as musicas.
Depois da experiência na Holanda, voltei para
Estrasburgo (1982) para continuar o doutorado em Ciências da Comunicação e da
Informação com o professor Abraham Moles, um dos grandes teóricos franceses, autor do clássico Sociodinâmica da Cultura (Ed. Perspectiva, SP) e de uma dezena
de livros sobre teoria da comunicação. Trabalhei como colaborador do Dernières Nouvelles d'AIsace e depois na Rádio France
Internationale (Paris),
como correspondente em Estrasburgo para a seção de Língua Portuguesa. O
trabalho na Rádio France era diferente; apurava as notícias no Parlamento
Europeu e no Conselho da Europa, redigia e depois gravava na sala de imprensa.
O material era recebido diretamente em Paris para entrar no ar, a noite,
para o Brasil, no noticiário internacional.
Além das questões políticas, abordavam-se
também as festas populares, os costumes, o vinho branco, a cerveja e os acontecimentos.
Em
Estrasburgo, os jornalistas e homens de comunicação em
geral, tinham dois pontos de encontro importantes. A Sala de Imprensa do Conselho da
Europa, que servia também ao Parlamento
Europeu, e o Clube da Imprensa (Club de la Press de Stransbourg).
Eram nesses dois locais que a gente ficava
sabendo dos bastidores de tudo: da
economia, da política, da cultura e dos
escândalos da vida particular de um político. O Conselho da Europa, uma instituição criada em 1949 para acabar com
as animosidades entre França e Alemanha,
acabou congregando mais de 20 países, inclusive a Turquia, Chipre,
Grécia e Malta — países fora do âmbito de
ação da Comunidade Européia
propriamente dita, mas ligados aos europeus por interesses comuns. O Conselho
trata de cooperação técnica e cultural;
(é uma espécie de UNESCO européia) e
tinha, na época, 170 representantes eleitos ou designados pelos
parlamentos dos países de origem — era a estrutura da Assembléia Parla-mentar.
A outra parte da organização interna é o Comité dos Ministros das Relações
Exteriores dos países membros. Além disso,
existia o Parlamento Europeu — Órgão
fiscalizador da Comunidade Econômica
Européia, formado por deputados
eleitos pelo sufrágio universal.
Estes se reuniam duas vezes por mês em Estrasbrurgo; vinham de seus paises de origem e durante quatro dias analisavam, discutiam e votavam as principais decisões da CEE. O material
jomalístico, assim, era farto; para nós,
brasileiros, interessavam as decisões
que podiam nos afetar e as ligadas ao
Parlamento Latino-Americano, que era
sediado no Brasil, em Brasília, e presidido
pelo Senador Nelson Carneiro. Haviam
decisões conjuntas dos Parlamentos e
algumas reuniões também Nelson
Carneiro esteve lá varias vezes para
estas reuniões.
CLUBES
DE IMPRENSA: ENCONTRO DOS REPÓRTERES E
CORRESPONDENTES
Os
Clubs de la Presse (Clubes de Imprensa) são uma
experiência interessante e muito
útil para o jomalista brasileiro no Exterior. Pelo menos, no. França. Eles mantém uma organização bem parecida com a dos nossos
sindicatos de jornalistas e cooperativas de jornalistas. Reúnem e congregam os jornalistas de todas as áreas, inclusive assessores de imprensa e relações-públicas. Cada região
francesa tem o seu clube, localizado nas
capitais das regiões.
Parece que o primeiro Press-Club foi criado em Londres antes do inicio do
século. A formula, então em vigor nos Estados Unidos, fez escola na Europa na
década de 60 e chegou a Franca em 1975. Foi a criarão do clube de imprensa de Rennes e Bretanha, primeiro do gênero no país.
Os dez clubes existentes em 1979 na Franca foram inspirados nos seus precursores anglo-saxônicos e europeus. São instituições (inspiradas na lei
francesa de 1901, que regula as associações) que reúnem jornalistas e
profissionais de comunicação. Eles têm
estrutura para sediar debates, conferências, entrevistas coletivas e encontros culturais. São dotados de telex, salas
de gravação para rádio e TV, e, às vezes, laboratório fotográfico. São
também dotados de scotch bar, salas de leitura
e biblioteca. Portanto, são um ponto de encontro natural do profissional
de comunicação a serviço no estrangeiro.