ARTESANATO POPULAR, UMA EXPRESSÃO
FOLKCOMUNICACIONAL
Prof.
Dr. Sebastião Breguez
E-Mail: breguez@uai.com.br
O
artesanato popular é uma expressão folkcomunicacional das mais importantes
porque expressa arte, técnica e comunicação. Pode-se definir artesanato como o
conjunto de processos manuais de produzir objetos pelo artesão, durante a
elaboração plástica. O artesão é quem domina a técnica manual de criar objetos
de uso freqüente na comunidade onde vive, sem equipamento industrial
repetitivo, com uso de material disponível que pode ser extraído da natureza
(metal, madeira, argila etc) ou retalhos, sucata, refugo industrial, sobra
aproveitável.
Cada
traço, forma ou cor é carregado de sentimentos, modos de pensar, sentir e agir
que expressam informações, opiniões e visões da vida social, cultural econômica
ou política da sociedade. Luiz Beltrão assinalou, seguindo análise de Gilberto
Freyre, que a fabulosa obra do mulato Aleijadinho, a maior expressão artística
do Barroco mineiro, traz mensagem de ‘revolta contra o meio social e o desejo
do mestiço de se libertar dos senhores brancos ou europeus, exploradores do
trabalho escravo’. Aleijadinho exagera nas formas do nariz de seus personagens
ou a expressão do rosto ou do corpo para protestar simbolicamente contra a
dominação dos portugueses sobre as terras do ouro das Minas Gerais.
Simbolicamente, o artista está colocando publicamente sua revolta, sua
indignação social contra os poderosos. Sua arte, assim, é rica de crítica
social e protesto. Pois o artista reflete a sua realidade social e grupal, as
angústias coletivas e os problemas de sua época.
O
artesanato é uma das formas culturais mais expressivas. Está na gênese da
criação cultural. A roda, o parafuso, o monjolo, a zarabatana, o bumerangue, o
tear vertical, assim como o trançado, a cerâmica são formas artesanais
pré-históricas. Não se sabe quem as inventou, seus criadores perderam-se no pó
dos tempos. Já, quanto ao material usado, a madeira, o barro, a pedra, o marfim
de elefante, osso, chifre de rena e de veado, conchas, unhas e garras, espinhos
de peixe ou de cacto foram empregados desde os primórdios da humanidade.
O Artesanato
é essencialmente o próprio trabalho manual ou produção de um artesão (de artesão
+ ato). Mas com a mecanização da indústria o artesão é identificado como
aquele que produz objetos pertencentes à chamada cultura popular. O artesanato é tradicionalmente a produção de caráter
familiar, na qual o produtor (artesão) possui os meios de produção (sendo o
proprietário da oficina e das ferramentas) e trabalha com a família em sua
própria casa, realizando todas as etapas da produção, desde o preparo da
matéria-prima, até o acabamento final; ou seja não havendo divisão do trabalho
ou especialização para a confecção de algum produto. Em algumas situações o
artesão tinha junto a si um ajudante ou aprendiz
O
artesanato surgiu da necessidade de se ter objetos para uso cotidiano em sua
comunidade como também na sua habilidade artística de plasmar formas de acordo
com o seu grupo social. O artesanato brasileiro reflete a origem cultural das
três raças (branco português, índio nativo e negro africano) que formaram o
povo brasileiro. Como também da influência das várias etnias que migraram para
o Brasil e se integraram à nossa sociedade, difundindo seus costumes, idéias e
formas de expressão cultural. A experiência cultural do artesão é muito
significativa porque o seu trabalho revela o estilo de vida de seu grupo
social, as características de seu relacionamento com a sociedade e também sua
relação com o meio ambiente e a natureza.
Ao
fazermos um balanço quantitativo e qualitativo da vida cultural de um povo ou
de uma comunidade, podemos ver no seu artesanato o seu estágio civilizatório. Isto porque os objetos e peças produzidos são
expressões coletivas do estilo de vida, do relacionamento do homem e o meio
ambiente. Sua análise revela a história de vida de seus artesãos, usos,
costumes, padrões morais, nível da evolução cultural e etapa do seu processo civilizatório.
Luiz
Beltrão (1) nos ensina que o artesanato em geral é meio (canal) que o povo
utiliza para expressar suas idéias e/ou opinar sobre fatos e acontecimentos.
Assim, o artesão ou artista plástico popular se utiliza da cerâmica, da
madeira, do metal, da pedra, de fibras, de pano, de coco, papelão e outros
materiais baratos, trabalhados com cinzel, canivete, tintas, lápis, carvão,
transformados em estatuetas, ex-votos,
utensílios domésticos, peças de brinquedos, bandeiras, cartazes e flâmulas.
Os
artesãos de Caruaru, em Pernambuco, escrevem com suas figuras de barro um poema
épico, o drama da gente nordestina no seu esforço de vida e adaptação ao seu
habitat. Os artesãos do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, uma das
regiões mais pobres do estado, onde impera a miséria e aridez do solo, produzem
uma das mais expressivas cerâmicas da arte popular mineira. O homem do povo,
assim, usa do material que pode para expressar-se, fazer-se presente à
sociedade e apresentar seu modo de pensar, sentir e agir.
A
palavra artesanato vem do italiano artigianato,
termo criado no século XIX por derivação de artigiano,
também de origem italiana do século XV. No mundo inteiro, em todos os países,
encontramos o artesanato popular. Mesmo nos países mais desenvolvidos, onde a
indústria e a tecnologia estão em estágio adiantado de desenvolvimento, existe
a arte popular. É esta arte, com seus objetos, que faz o elo de união entre a
cultura popular e a cultura de massa. Pois, um dos atrativos que faz girar a
indústria do turismo, em todos os países, é o artesanato popular com seus
objetos coloridos, cheios de vida, das mais criativas formas e de material
inusitado. O consumo da arte popular, como forma de expressão da cultura local,
faz parte da característica do homem moderno.
Em
todas as regiões brasileiras, há formas variadas de expressão artesanal tanto
no uso dos materiais típicos como de formas variadas e criativas. Cada região
se caracteriza por um tipo de material, de técnica ou expressão cultural. Daí a
grande divulgação que o turismo faz dos atrativos de cada estado ou região em
termo de suas expressões peculiares da cultura local.
Pode-se
classificar o artesanato de várias maneiras. Vou usar aqui a classificação de
Saul Martins (2):
- Artesanato de sobrevivência – É rudimentar, absorve mão-de-obra ociosa, existe em todas as regiões brasileiras onde as pessoas utilizam do artesanato como forma de sobrevivência ou ocupação subsidiária. É artesanato desprovido de qualidade estética e de pouca significação econômica.
- Artesanato de Objetos Utilitários – É característico das pequenas comunidades do interior onde se encontram objetos para compra. Objetos de barro: potes, panelas, quartinhas, cuscuzeiros. Objetos de madeira: gamelas, pilões, socadores, colheres de pau. Objetos de Fibra (Tala vegetal): balaios, cestos, peneiras, chapéus, jequis, esteiras, caroças, cordas, redes de pesca e de dormir. Objetos de seda animal: cabrestos, rédeas, areadores. Objetos de Couro: laços, broacas, peias, chicotes, bainhas de faca e facão.
- Artesanato das Conchas – Na orla marítima e às margens dos grandes rios, além dos trançados à base de cipós, taboas, gravatás e outras plantas, há o artesanato das conchas e frutos da água.
- Artesanato de fundo de quintal – Nas cidades existe sempre o artesanato de fundo de quintal como o ferreiro, o cesteiro, o latoeiro.
- Artesanato do dia-a-dia – É o artesanato da rotina, na área rural, o consertador de eixos de carros de boi, rodas d’águas e canzis, engenhos, móveis, arreios e utensílios domésticos.
- Artesanato de Aproveitamento – É aquele em que se usam latas, garrafas pet, vidros, sacos plásticos vazios, sucata, refugo industrial, ossos, retalhos de várias naturezas: pano, arame, papel, cacos de louça.
- Artesanato de Vanguarda – Em que o artista busca se aperfeiçoar no estudo e criatividade da qualidade plástica de seus objetos.
Concluindo, pode-se dizer que o artesanato é
expressão folkcomunicacional do artista plástico popular que não só molda seus
objetos com materiais dos mais criativos que encontra ao seu redor. Ele também
expressa simbolicamente em suas formas idéias e sentimentos, modos de pensar,
sentir e agir do seu grupo social e de sua época. Assim, cabe ao pesquisador de
Folkcomunicação fazer análise das formas de comunicação simbólica mostradas nos
objetos produzidos pelas mãos criativas do artista do povo e ver as suas
significações.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
- Beltrão, Luiz – Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2001.
- Martins, Saul – Contribuição ao Estudo Científico do Artesanato, BH, Imprensa Oficial, 1973.
Muito completo o seu artigo. Acredito que tão importante quanto a técnica é aprender a divulgar o artesanato na internet, visto que ela está ai para nos conectar a milhares e até milhões de pessoas.
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