domingo, 13 de julho de 2014

A LITERATURA DE CORDEL COMO JORNALISMO POPULAR



A LITERATURA DE CORDEL COMO PRODUÇÃO DE NOTÍCIAE JORNALISMO POPULAR    

O CORDEL COMO EXPRESSÃO FOLKCOMUNICACIONAL 

Prof. Dr. Sebastião Breguez 

breguez@uai.com.br



Literatura de Cordel (1) é o nome que se dá aos folhetos, impressos em formato trinta e dois, com xilogravura popular na capa, produzidos pelos cantadores nordestinos e comercializados nas feiras populares do Nordeste brasileiro. Eles aparecem nas feiras pendurados em cordas ou barbantes e, por isto, recebem o nome de Literatura de Cordel.  São chamados também de livros-de-feiras, expostos à venda nas feiras, apoiadas sobre o dorso interno em barbante esticado em frente da barraca como se fosse roupa estendida em varal.

Luis da Câmara Cascudo (2) diz que Literatura de Cordel é “denominação dada, em Portugal, e difundida no Brasil, desde 1960, referente aos folhetos impressos, compostos pelo Nordeste e presentemente divulgados e correntes em todo o Brasil”.  Funciona como forma de transmitir informações para as classes populares. Divulgam grandes acontecimentos, morte de líderes políticos adorados pelo povo ou como forma de contar seus amores, desgostos ou doenças.  A ida do homem à Lua, a morte de Getúlio Vargas, a luta de Lampião e o cangaço, a morte de Padre Cícero ou Frei Romão, a saga de Juscelino Kubitschek, o impeachment de Collor – tudo se transforma de verso e canto que o cantador popular publica em livreto para vender nas feiras.  

Dentro da Metodologia da Folkcomunicação, a Literatura de Cordel é analisada como manifestação comunicacional das classes populares e, desta forma, como jornalismo popular  com a produção de notícias. E ainda com direito a produção da Edição Extra ou Edição Extraordinária sempre que os fatos e acontecimentos forem de grande repercussão social. O cantador se transforma em repórter do povo, capta as notícias e as recodifica no linguajar popular. Publica os folhetos e sai vendendo nos mercados populares e nas feiras nordestinas.

A análise dos processos comunicacionais das classes populares foi iniciado pelo pernambucano Luiz Beltrão em meados da década de 1960 quando ele cunhou a expressão Folkcomunicação como estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias. A partir daí se visualizou que na nossa sociedade existem classes sociais com processos comunicacionais diferenciados. A classe dominante, por exemplo, tem à sua disposição todo um aparato tecnológico de comunicação, que chamamos indústria cultural, com a produção de jornais, revistas, livros, discos, CDs, filmes etc. Mas as classes populares também se comunicam e utilizam tudo o que podem para expressar suas idéias, sentimentos, modos de pensar, sentir e agir. Assim, a produção da notícia como fator de informação não é um fenômeno da elite: as classes populares também produzem e difundem a notícia com o seu próprio sistema de comunicação impressa. A Literatura de Cordel, assim, é jornalismo popular, é produção de notícia popular impressa que atinge um universo bem grande de pessoas no Nordeste brasileiro, mas também em regiões onde esses meios cresceram e se desenvolveram. Hoje, com a evolução da Rede Folkcom e a organização de congressos nacionais em universidades brasileiras, dezenas de estudos e pesquisas tem mostrado a influência e a importância da comunicação popular e difusão da informação.

Luiz Beltrão (3) diz as classes populares têm seus próprios meios de comunicação e expressão e que somente através deles é que podem entender e fazer-se entender. São os meios de comunicação popular como as literatura oral e de cordel, com os cantadores, as histórias e anedotas , os romances cheios de moralidade e filosofia, com os folhetos de romance ou de época, os boletins de propaganda eleitoral com os ‘credos’ e paródias de orações católicas, os almanaques de produtos farmacêuticos, os calendários e folhinhas, os livros de sorte, publicações periódicas e avulsas impressas em prelos manuais. Tudo isto constitui o aparato comunicacional do povo nos quais organizam uma consciência comum, preservam experiências, encontram informação, cultura, educação, lazer, recreio e estímulo e dão expansão aos seus pendores artísticos. E se fazem presente à sociedade oficial com suas aspirações e as suas expectativas. 

O pesquisador Joseph Luyten (4), um profundo estudioso do cordel como jornalismo popular, que no estudo da Teoria do Jornalismo, os autores têm procurado estudar e apresentar só o modelo do jornalismo industrial das classes dominantes como os grandes diários que circulam em larga escala nos centros urbanos. Mas esquecem como, realmente, as grandes massas populacionais obtém suas informações e como demonstram a sua credibilidade aos fatos e acontecimentos que lhes são transmitidos. Num país como o Brasil, em que a tiragem dos grandes jornais não passam de 400 mil exemplares/dia, para uma população de 180 milhões de pessoas, é preciso pesquisar os sistemas de comunicação popular e sua veiculação de notícias. Ai a Literatura de Cordel, por meio de seus folhetos noticiosos, ocupa papel de destaque.

Roberto Benjamin (5) também nos alertava que a Literatura de Cordel foi a primeira manifestação de Folkcomunicação a ser veiculada pela tecnologia. No final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, um grupo de poetas populares começou a imprimir seus versos. Somente agora é que se estuda o cordel do ponto de vista folkcomunicacional sendo canal de troca de informações direta entre as classes populares e como mediador entre o popular e a comunicação de massa. Ai ganha importância o estudo da evolução das tecnologias de editoração dos folhetos e o jornalismo popular dos cantadores nordestinos.

Quando analisamos o funcionamento da nossa sociedade, que é uma sociedade capitalista, numa observação de superfície, notaremos que as classes dominantes, que detém o controle dos meios de produção, veiculam os seus interesses e aspirações nas artes, nas ciências, na administração do Estado. Às camadas populares, só resta um meio de participação social: a comunicação popular através de todos os seus meios.. È através dos meios de comunicação popular, que estão dentro do conjunto da cultura popular ou folclore, que elas organizam uma consciência comum sem perder a identidade cultural.

Como disse com muita propriedade Antonio Gramsci, a cultura popular (folclore) até hoje só foi estudada como elemento pitoresco e coletada como material de erudição. A ciência do folclore consistiu apenas nos estudos a respeito do método de coleta, seleção e classificação deste material. “Dever-se-ia estudá-lo, pelo contrário, como sociedade em contraposição (também no mais das vezes implícita, mecânica, objetiva) com as concepções elaboradas, sistemáticas e politicamente elaboradas e centralizadas em seu (ainda contraditório) desenvolvimento histórico.

Pois uma dessas formas de que o povo se utiliza para apresentar suas idéias, fazer suas críticas à sociedade oficial é a Literatura de Cordel. Ou seja, através das diversas formas que compõem a literatura popular (em que a inventiva do povo não é limitada por seu grau de alfabetização) como na arte de jogar versos. O poeta popular não se embaraça ao versejar, solta as rimas com espontaneidade e nisto reside sua maior beleza e interesse. Em geral faz quadras do abcb ou sextilhas do tipo abcbdb, que são as mais freqüentes no cordel.

Através dos poetas populares esta forma-arte de jogar versos- tem sido divulgada pelo Brasil afora, de Norte a Sul. Sua origem ainda não foi definitivamente esclarecida, mas tudo indica que é oriunda de Portugal e foi trazida pelos colonizadores.  A origem portuguesa vem da música Caninha Verde,originada da região do Minho (Portugal). É um canto e dança com refrão, onde as pessoas vão improvisando versos ou cantando versos demorados, usando sempre o tema de refrão, trazido pra o Brasil pelos iberos. O estudioso português, Teófilo Braga (1895), foi testemunho de que o nosso cordel se assemelhava com as “folhas volantes” portuguesas. Manuel Diegues Jr., por sua vez divide a Literatura de Cordel em três grandes vertentes ou grupos:

  • Temas tradicionais (romances e novelas, contos maravilhosos, estória de animais, anti-heróis e tradição religiosa);
  • Fatos circunstâncias ou acontecidos (manifestação de natureza física, fatos de repercussão social, cidade e vida urbana, crítica e sátira, o elemento humano: Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Juscelino, fanatismo e misticismo como Antônio Conselheiro e Padre Cícero, cangacerismo Antonio Silvino e Lampião, tipos técnicos e tipos regionais);
  • Cantorias e pelejas (os desafios).

Quem quiser conhecer os principais expoentes da Literatura de Cordel brasileira pode consultar a BIBLIOTECA DO CORDEL da Editora Hedra, de São Paulo, no site www.hedra.com.br . A coleção foi organizada pelo Prof. Dr. Joseph Luyten com mais de um dezenas de livros que estudam um importante cordelista.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
 
  1. Breguez, SebastiãoO Cordel de Téo Azevedo, SP, Editora Hedra, 2003.
  2. Câmara Cascudo, Luis da – Dicionário do Folclore Brasileiro, BH, Editora Itatiaia, 1984.
  3. Beltrão, LuizComunicação e Folclore, SP, Editora Melhoramentos,1971.
  4. Luyten, Joseph A Notícia na Literatura de Cordel, SP, Estação Liberdade, 1992.
  5. Benjamin, Roberto Folkcomunicação na Sociedade Contemporânea, Porto Alegre, Comissão Gaúcha de Folclore, 2004.

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