A LITERATURA DE CORDEL COMO PRODUÇÃO DE NOTÍCIAE JORNALISMO POPULAR
O CORDEL COMO EXPRESSÃO FOLKCOMUNICACIONAL
Prof. Dr. Sebastião Breguez
breguez@uai.com.br
Literatura de Cordel (1) é o nome
que se dá aos folhetos, impressos em formato trinta e dois, com xilogravura popular
na capa, produzidos pelos cantadores nordestinos e comercializados nas feiras
populares do Nordeste brasileiro. Eles aparecem nas feiras pendurados em cordas
ou barbantes e, por isto, recebem o nome de Literatura de Cordel. São chamados também de livros-de-feiras, expostos à venda nas feiras, apoiadas sobre o
dorso interno em barbante esticado em frente da barraca como se fosse roupa
estendida em varal.
Luis da Câmara Cascudo (2) diz
que Literatura de Cordel é “denominação dada, em Portugal, e difundida no
Brasil, desde 1960, referente aos folhetos impressos, compostos pelo Nordeste e
presentemente divulgados e correntes em todo o Brasil”. Funciona como forma de transmitir informações
para as classes populares. Divulgam grandes acontecimentos, morte de líderes
políticos adorados pelo povo ou como forma de contar seus amores, desgostos ou
doenças. A ida do homem à Lua, a morte
de Getúlio Vargas, a luta de Lampião e o cangaço, a morte de Padre Cícero ou
Frei Romão, a saga de Juscelino Kubitschek, o impeachment de Collor – tudo se
transforma de verso e canto que o cantador popular publica em livreto para
vender nas feiras.
Dentro da Metodologia da
Folkcomunicação, a Literatura de Cordel é analisada como manifestação
comunicacional das classes populares e, desta forma, como jornalismo
popular com a produção de notícias. E
ainda com direito a produção da Edição Extra ou Edição Extraordinária sempre
que os fatos e acontecimentos forem de grande repercussão social. O cantador se
transforma em repórter do povo, capta as notícias e as recodifica no linguajar
popular. Publica os folhetos e sai vendendo nos mercados populares e nas feiras
nordestinas.
A análise dos
processos comunicacionais das classes populares foi iniciado pelo pernambucano
Luiz Beltrão em meados da década de 1960 quando ele cunhou a expressão
Folkcomunicação como estudo dos agentes e dos meios populares de informação de
fatos e expressão de idéias. A partir daí se visualizou que na nossa sociedade
existem classes sociais com processos comunicacionais diferenciados. A classe
dominante, por exemplo, tem à sua disposição todo um aparato tecnológico de
comunicação, que chamamos indústria cultural, com a produção de jornais,
revistas, livros, discos, CDs, filmes etc. Mas as classes populares também se
comunicam e utilizam tudo o que podem para expressar suas idéias, sentimentos,
modos de pensar, sentir e agir. Assim, a produção da notícia como fator de
informação não é um fenômeno da elite: as classes populares também produzem e
difundem a notícia com o seu próprio sistema de comunicação impressa. A
Literatura de Cordel, assim, é jornalismo popular, é produção de notícia
popular impressa que atinge um universo bem grande de pessoas no Nordeste
brasileiro, mas também em regiões onde esses meios cresceram e se
desenvolveram. Hoje, com a evolução da Rede Folkcom e a organização de
congressos nacionais em universidades brasileiras, dezenas de estudos e
pesquisas tem mostrado a influência e a importância da comunicação popular e
difusão da informação.
Luiz Beltrão (3)
diz as classes populares têm seus próprios meios de comunicação e expressão e
que somente através deles é que podem entender e fazer-se entender. São os
meios de comunicação popular como as literatura oral e de cordel, com os
cantadores, as histórias e anedotas , os romances cheios de moralidade e
filosofia, com os folhetos de romance ou de época, os boletins de propaganda
eleitoral com os ‘credos’ e paródias de orações católicas, os almanaques de
produtos farmacêuticos, os calendários e folhinhas, os livros de sorte,
publicações periódicas e avulsas impressas em prelos manuais. Tudo isto
constitui o aparato comunicacional do povo nos quais organizam uma consciência
comum, preservam experiências, encontram informação, cultura, educação, lazer,
recreio e estímulo e dão expansão aos seus pendores artísticos. E se fazem
presente à sociedade oficial com suas aspirações e as suas expectativas.
O pesquisador
Joseph Luyten (4), um profundo estudioso do cordel como jornalismo popular, que
no estudo da Teoria do Jornalismo, os autores têm procurado estudar e
apresentar só o modelo do jornalismo industrial das classes dominantes como os
grandes diários que circulam em larga escala nos centros urbanos. Mas esquecem
como, realmente, as grandes massas populacionais obtém suas informações e como
demonstram a sua credibilidade aos fatos e acontecimentos que lhes são
transmitidos. Num país como o Brasil, em que a tiragem dos grandes jornais não
passam de 400 mil exemplares/dia, para uma população de 180 milhões de pessoas,
é preciso pesquisar os sistemas de comunicação popular e sua veiculação de
notícias. Ai a Literatura de Cordel, por meio de seus folhetos noticiosos,
ocupa papel de destaque.
Roberto
Benjamin (5) também nos alertava que a Literatura de Cordel foi a primeira
manifestação de Folkcomunicação a ser veiculada pela tecnologia. No final do
século XIX e nas primeiras décadas do século XX, um grupo de poetas populares
começou a imprimir seus versos. Somente agora é que se estuda o cordel do ponto
de vista folkcomunicacional sendo canal de troca de informações direta entre as
classes populares e como mediador entre o popular e a comunicação de massa. Ai
ganha importância o estudo da evolução das tecnologias de editoração dos
folhetos e o jornalismo popular dos cantadores nordestinos.
Quando analisamos o funcionamento
da nossa sociedade, que é uma sociedade capitalista, numa observação de
superfície, notaremos que as classes dominantes, que detém o controle dos meios
de produção, veiculam os seus interesses e aspirações nas artes, nas ciências,
na administração do Estado. Às camadas populares, só resta um meio de
participação social: a comunicação popular através de todos os seus
meios.. È através dos meios de comunicação popular, que estão dentro do
conjunto da cultura popular ou folclore, que elas organizam uma consciência
comum sem perder a identidade cultural.
Como disse com muita propriedade
Antonio Gramsci, a cultura popular (folclore) até hoje só foi estudada como
elemento pitoresco e coletada como material de erudição. A ciência do
folclore consistiu apenas nos estudos a respeito do método de coleta, seleção e
classificação deste material. “Dever-se-ia estudá-lo, pelo contrário, como
sociedade em contraposição (também no mais das vezes implícita, mecânica,
objetiva) com as concepções elaboradas, sistemáticas e politicamente elaboradas
e centralizadas em seu (ainda contraditório) desenvolvimento histórico.
Pois uma dessas formas de que o
povo se utiliza para apresentar suas idéias, fazer suas críticas à sociedade
oficial é a Literatura de Cordel. Ou seja, através das diversas formas que
compõem a literatura popular (em que a inventiva do povo não é limitada por seu
grau de alfabetização) como na arte de jogar versos. O poeta popular não
se embaraça ao versejar, solta as rimas com espontaneidade e nisto reside sua
maior beleza e interesse. Em geral faz quadras do abcb ou sextilhas do tipo abcbdb,
que são as mais freqüentes no cordel.
Através dos poetas populares esta
forma-arte de jogar versos- tem sido divulgada pelo Brasil afora, de Norte a
Sul. Sua origem ainda não foi definitivamente esclarecida, mas tudo indica que
é oriunda de Portugal e foi trazida pelos colonizadores. A origem portuguesa vem da música Caninha
Verde,originada da região do Minho (Portugal). É um canto e dança com
refrão, onde as pessoas vão improvisando versos ou cantando versos demorados,
usando sempre o tema de refrão, trazido pra o Brasil pelos iberos. O estudioso
português, Teófilo Braga (1895), foi testemunho de que o nosso cordel se
assemelhava com as “folhas volantes” portuguesas. Manuel Diegues Jr., por sua
vez divide a Literatura de Cordel em três grandes vertentes ou grupos:
- Temas tradicionais (romances e novelas, contos maravilhosos, estória de animais, anti-heróis e tradição religiosa);
- Fatos circunstâncias ou acontecidos (manifestação de natureza física, fatos de repercussão social, cidade e vida urbana, crítica e sátira, o elemento humano: Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Juscelino, fanatismo e misticismo como Antônio Conselheiro e Padre Cícero, cangacerismo Antonio Silvino e Lampião, tipos técnicos e tipos regionais);
- Cantorias e pelejas (os desafios).
Quem quiser conhecer os
principais expoentes da Literatura de Cordel brasileira pode consultar a
BIBLIOTECA DO CORDEL da Editora Hedra, de São Paulo, no site www.hedra.com.br . A coleção foi organizada
pelo Prof. Dr. Joseph Luyten com mais de um dezenas de livros que estudam um
importante cordelista.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
- Breguez, Sebastião – O Cordel de Téo Azevedo, SP, Editora Hedra, 2003.
- Câmara Cascudo, Luis da – Dicionário do Folclore Brasileiro, BH, Editora Itatiaia, 1984.
- Beltrão, Luiz – Comunicação e Folclore, SP, Editora Melhoramentos,1971.
- Luyten, Joseph – A Notícia na Literatura de Cordel, SP, Estação Liberdade, 1992.
- Benjamin, Roberto – Folkcomunicação na Sociedade Contemporânea, Porto Alegre, Comissão Gaúcha de Folclore, 2004.
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