O Presépio como expressão folkcomunicacional
Prof. Dr. Sebastião Breguez
Folkcomunicação é uma teoria criada, na década de 1960, pelo pernambucano Luiz Beltrão, criador das Ciências da Comunicação, no Brasil, para designar os estudos dos processos comunicacionais populares nas sociedades em processo de desenvolvimento. Ela engloba duas ciências, a Comunicação e a Antropologia. Ela estuda como se dá esta comunicação entre o popular, o erudito e a comunicação de massa. Na verdade, a Folkcomunicação é a primeira teoria brasileira da Comunicação que mostra que os processos reais (verdadeiros) da comunicação popular no Brasil não se articulam na Mídia (jornal, revista, rádio, TV).O presépio como representação
simbólica do nascimento de Jesus Cristo é uma das mais ricas manifestações
folkcomunicacionais do ciclo natalino no Brasil e em todo o mundo. É uma forma
de expressão e comunicação de fundo popular que existe com fartura em todas as
cidades brasileiras. Desde o tipo de material usado na confecção do presépio, o
estilo das imagens, o seu tamanho, as cores e o design. Existem presépios de
madeira, de pedra, de areia, de papel jornal, de papelão, de metal, de vidro e
até em ponta de lápis. O objetivo deste artigo é apresentar os presépios de
Santa Luzia, cidade histórica de Minas Gerais, considerada capital brasileira
dos presépios.
Organizar presépios nas festas do
Natal é uma das tradições populares cultivadas em Minas Gerais com
muita criatividade. Em Santa Luzia, cidade histórica, situada a 25 quilômetros de
Belo Horizonte, a tradição empolga a comunidade e dezenas de presépios disputam
a criatividade e a atenção da população.
Aqui estão os presépios de Helena Viana, Décio Araújo,
Helenita Diniz Viana,
Igreja Matriz de Santa Luzia, Iria e João de Castro, Nicinha
Diniz, Terezinha de Lázaro e Zizi Carvalho
Fazer presépios, em Santa Luzia,
na Grande-BH, é uma tradição que acompanha as comemorações de Natal há dezenas
de anos e uma de suas fortes expressão folkcomunicacionais. Uma tradição herdada dos avós portugueses que
se mantém viva na memória da arte popular católica dos membros da comunidade.
Cada família faz questão de ter o seu presépio e faz enfeite com criatividade e
aproveitamento de material da natureza do local. De suas matas, buscam-se os
galhos de árvores, folhas e ervas em geral. Dos rios e lagos, a areia e as pedras que
ornamentam e enfeitam. Das lojas, os tecidos que ganham luzes, cores e brilho
com as mãos criativas de cada artesã familiar. Tudo é diferente, cada presépio
reflete não só a fé, mas a imaginação, a sensibilidade e a criatividade de cada
grupo familiar.
O presépio de Décio Araújo usa
jornal velho como enfeite natalino
De 25 de dezembro a seis de
janeiro, a tradição movimenta a cidade. Cada presépio é visitado com pompa por
membros da comunidade que rezam ave-marias e padres-nossos em busca da paz e do
bem comum. São acolhidos com festas e, no final da visita, recebem lembranças
como doces, balas, bombons caseiros ou peças de artesanato local como souvenir
da visita. É uma tradição centenária na cidade.
A palavra presépio significa “um
lugar onde se recolhe o gado, curral, estábulo”. Contudo, esta também é a
designação dada à representação artística do nascimento do Menino Jesus num
estábulo, acompanhado pela Virgem Maria, São José, uma vaca e um jumento. Por
vezes, acrescentam-se outras figuras como pastores, ovelhas, anjos, os Reis
Magos, entre outros. Os presépios são expostos não só em Igrejas, mas também em
casas particulares e até mesmo em muitos locais públicos.
Os primeiros presépios surgiram
em Itália, no século XVI e foram motivados por dois tipos de representações da
Natividade (do nascimento de Cristo): a plástica e a teatral. A primeira, a
representação plástica, situa-se no final do século IV, e surgiu com Santa
Helena, mãe do Imperador Constantino. Da segunda, a teatral, os registros mais
antigos que se tem conhecimento são século XIII, com Francisco de Assis. Este
último, na mesma representação, também contribui para a representação plástica,
já que fez uma mistura de personagens reais e imaginários. Embora seja
indubitável a importância destas representações da Natividade para o
aparecimento dos presépios, elas não constituem ainda os presépios de hoje.
O nascimento de Jesus começou a
ser celebrado desde o século III, data das primeiras peregrinações a Belém,
para se visitar o local onde Jesus nasceu. Desde o século IV, começaram a
surgir representações do nascimento de Jesus em pinturas, relevos ou frescos.
Mas somente no século XIII, mais
precisamente no ano de 1223, S. Francisco de Assis decidiu celebrar a missa da
véspera de Natal com os cidadãos de Assis de forma diferente. Em vez de a
celebração ser no interior da igreja, foi realizada numa gruta na floresta de
Greccio (ou Grécio), perto da cidade. São Francisco transportou para essa gruta
um boi e um burro reais e feno. Além disto, também colocou na nela as imagens
do Menino Jesus, da Virgem Maria e de São José. Com isso, ele pretendeu tornar
mais acessível e clara, para os cidadãos de Assis, a celebração do Natal, só
assim as pessoas puderam visualizar o que verdadeiramente se passou em Belém
durante o nascimento de Jesus.
Este acontecimento faz com que
muitas vezes São Francisco seja visto como o criador dos presépios. Mas os
presépios tal como existem hoje só surgiram mais tarde, três séculos depois.
Sua contribuição foi importante para o crescimento do gosto pelas recriações da
Natividade e, consequentemente, para o aparecimento dos presépios.
No século XV, surgem algumas
representações do nascimento de Cristo, contudo, elas não eram modificáveis e
estáticas, ao contrário dos presépios, nas quais as peças são independentes
entre si e, desta forma, modificáveis. É, nos finais do século XV, graças a um
desejo crescente de fazer reconstruções plásticas da Natividade, que as figuras
de Natal se libertam das paredes das igrejas, surgindo em pequenas figuras, que
devido à sua plasticidade, podem ser observadas de todos os ângulos. Outra
característica destas é a de serem soltas e permite criar cenas diferentes com
as mesmas figuras. Surge, assim, a arte e a técnica de confecção dos presépios.
A expressão mais importante de um
presépio, e a que mais facilmente permite distingui-lo das restantes
representações da Natividade, é a sua mobilidade. O presépio é modificável, com
as mesmas peças podem recriar-se os diferentes episódios que marcam a época
natalícia. A criação do cenário que hoje é conhecido como presépio,
provavelmente, deu-se já no século XVI. Segundo o inventário do Castelo de
Piccolomini em Celano, o primeiro presépio criado num lar particular surgiu em
1567, na casa da Duquesa de Amalfi, Constanza Piccolomini. No século XVIII, a
recriação da cena do nascimento de Jesus estava completamente inserida nas
tradições de Nápoles e da Península Ibérica (incluindo Portugal).
Entre os presépios mais
conhecidos, destacam-se os de Nápoles, na Itália. Eles surgiram no século XVIII
e se podiam observar neles várias cenas da vida cotidiana, mas o mais
importante era a qualidade extraordinária de suas figuras. Só a título de
exemplo, os Reis Magos eram vestidos com sedas ricamente bordadas e usavam
jóias muito trabalhadas.
No que se refere a Portugal, não
é nenhum exagero dizer que ali foram feitos alguns dos mais belos presépios de
todo o mundo, destacando-se os realizados pelos escultores Machada de Castro e
Antônio Ferreira, no século XVIII. Atualmente, o costume de armar o presépio,
tanto em locais públicos como particulares, ainda se mantém em muitos países em
todo o mundo. Contudo, nas grandes cidades, com o surgimento da árvore da
Natal, os presépios, cada vez mais, ocupam um lugar secundário nas tradições
natalinas. Nas pequenas cidades do interior, as famílias fazem presépios
grandes ou pequenos para animar a festa de natal das comunidades e cultivar o
sentimento de convivialidade entre as pessoas. O presépio, assim, é um ponto de
encontro familiar com os que moram fora, os ausentes e também grupos da região
como as pastorinhas.
No Brasil, herdamos a tradição
portuguesa de organizar presépios nas festas natalinas. Assim, desde o Brasil
Colônia eram comuns presépios nas igrejas brasileiras e a tradição se espalhou
para as capelas e casas de pessoas ilustres. Também não se pode esquecer as
influências religiosas e culturais que recebemos da Espanha, França e outros
países.
Nossas pesquisas sobre a origem
do presépio brasileiro mostram que, em 1532, mais ou menos, o padre José de
Anchieta, ajudado pelos índios, já modelava em barro pequenas figuras
representando o presépio, com o propósito de incutir-lhes esta tradição e
honrar o menino Jesus no dia de Natal. Mas não há a menor dúvida de que foi
entre os séculos XVII e XVIII que os presépios foram efetivamente introduzidos
e difundidos no Brasil pelos padres jesuítas, portugueses, franceses e
espanhóis, que aqui aportaram para catequese do gentio. Inicialmente, copiando ou se inspirando nos
modelos importados de Portugal e Espanha, a arte presepista brasileira só bem
mais tarde adquiriu uma fisionomia própria e a riqueza de linhas e de material
que marcaram o barroco nacional.
O índio, o negro, o caboclo, a
fauna, a flora, a mitologia afro-americana, usos e costumes foram transformando
as influências recebidas em cenas comuns da vida diária, nas quais se destacam
lavadeiras carregando as suas trouxas ou lavando roupas no rio; caçadores,
fazendeiros, colonos e trabalhadores cuidando de animais, tirando leite, ou
montados a cavalo percorrendo o caminho; mulheres dando milho às galinhas,
cuidando dos filhos ou tirando água no poço; moinhos, cisternas, fontes e
monjolos movidos pelo riozinho sinuoso que, escorregando por baixo das pontes,
passa entre capinzais, representados pelo alpiste ou arroz semeados de fresco.
Tudo isso, projetando-se na paisagem com seus montes, árvores e casinhas de
todo gênero, pintadas com cores vivas e a igrejinha bem iluminada.
O presépio do Convento de
Macaúbas (1714), em Santa Luzia, está entre os primeiros do Brasil. A tradição
de organizar presépios em locais públicos como igrejas ou praças públicas foi traço
característico no Brasil do Século XVIII.
Mas Santa Luzia eternizou esta arte de construir presépios para festejar
o Natal no Século XX. Aí os presépios passaram a ser centro de convivialidade e
encontro, não só das famílias luzienses, mas de toda a comunidade e também de
visitantes. A sua expressividade foi tão grande que a Prefeitura de Santa Luzia
institucionalizou a visitação pública nas famílias e publicou um Guia da Visitação aos Presépios de Santa
Luzia com indicação dos mais importantes com nome do artesão, endereço,
telefone e horário. Daí dizer-se que Santa Luzia é a Capital Brasileira dos
Presépios. Nenhuma cidade no Brasil cultiva esta arte com tanta profundidade e
expressão artístico-religiosa como a população desta cidade mineira.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
BREGUEZ, Sebastião (Org) – Santa Luzia, uma cidade sob a luz do
presépio, BH, Edições Carranca, 2010.
BREGUEZ, Sebastião – Santa Luzia, Capital Brasileira dos
Presépios, BH, Edições Saci, 2009.
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