sexta-feira, 31 de março de 2017

1º de abril - DIA DA MENTIRA.


1º DE ABRIL – DIA DA MENTIRA


O dia da mentira no país da mentira e enganação! Aqui a única certeza é que o Dia da Mentira é o Dia da Verdade, quando se admite que a mentira é uma verdade!

Por Sebastião Breguez



Comemora-se, em todo o mundo, em 1º de abril, o Dia da Mentira. Mas imagine um país como Brasil, o País da Mentira institucionalizada, onde a mentira e verdade estão mescladas na malandragem e safadeza que caracteriza o caráter do brasileiro desde o presidente da República até o simples homem do povo. Um povo brincalhão, enrolador, gozador, mentiroso, cheio de riso, malícia, deboche, criatividade e imaginação. Este jeitinho peculiar do brasileiro faz com que a mentira predomine nos 365 doas do ano no pais do faz  de conta.
O Brasil é o país em que todos os dias do ano são marcados pela mentira ou manipulação da opinião pública. Aqui se brinca de contar mentira todos os dias. Aqui se trabalha de mentira, tem leite e derivados de mentira (creme de leite, leite condensado e até queijo gorgonzola de mentira), carne de mentira (carne com papelão), azeite de oliva de mentira, paçoca de mentira, cerveja de mentira (com suco de milho ao invés de lúpulo e cevada), aposentadoria de mentira etc.
Aqui se paga o INSS e na hora de usar a assistência médica, tem que se recorrer a médicos e hospitais particulares. O transporte, a segurança, o lazer, a educação que deveriam ser fornecidos pelo governo, em função dos impostos pagos pelo cidadão, mas não existem ou não funcionam direito. Funcionam de mentira.
São mentiras históricas brasileiras:
  1. O Brasil foi descoberto pelos portugueses em viagem às Índias;
  2. A Inconfidência Mineira não foi Revolução popular, mas de empresários da mineração;
  3. A Independência do Brasil, com D. Pedro, em cima de um cavalo, levantando uma espada, é uma mentira;
  4. A Abolição da Escravatura pela princesa Isabel, não libertou os escravos, mas jogou eles na rua sem nenhuma proteção ou assistência;
  5. A proclamação da República não foi movimento popular, mas de um pequeno grupo.
  6. A Constituição da República estabelece que os juros não podem ser mais que 1% ao mês, mas ninguém cumpre.
  7. A Constituição da República proíbe a instalação de quebra-molas, mas ninguém cumpre.  
Assim por diante, somos recheados de estórias e mentiras passadas de geração a geração, através da comunicação oral. A mídia também age diariamente para difundir notícias falsas ou manipulada para desviar a opinião pública dos problemas reais da sociedade brasileira. A mídia ajuda a construir uma realidade manipulada da realidade nacional.
Mas o primeiro dia de abril, 1º de abril, é o dia oficial da mentira. Um dia em que as pessoas procuram brincar ou pregar uma peça em alguém, contando uma mentira como se fosse verdade.  É dia de brincadeiras e piadas de qualquer sorte e as pessoas contam leves mentiras e pregam peças em seus conhecidos por pura diversão.  É comemorado por crianças e adultos, e existem brincadeiras que persistem por vários anos. Algumas piadas e pegadinhas chegam a ser de humor negro, que são aquelas que ridicularizam e humilham as pessoas, mas, em geral, são brincadeiras saudáveis.
Primeiro de abril é dia de muitas brincadeiras cheias de fantasia, piadas diversas e conversas maldosas. É 1º de abril, dia mundial da mentira. Há muitas explicações para o 1º de abril ter se transformado no dia da mentira, dia das petas, dia dos tolos (de abril) ou dia dos bobos. Uma delas diz que a brincadeira surgiu na França. Desde o começo do século XVI, o Ano Novo era festejado no dia 25 de março, data que marcava a chegada da primavera. As festas duravam uma semana e terminavam no dia 1 de abril.

Em 1564, depois da adoção do calendário gregoriano, o rei Carlos IX de França determinou que o ano novo seria comemorado no dia 1 de janeiro. Alguns franceses resistiram à mudança e continuaram a seguir o calendário antigo, pelo qual o ano iniciaria em 1 de abril. Gozadores passaram então a ridicularizá-los, a enviar presentes esquisitos e convites para festas que não existiam. Essas brincadeiras ficaram conhecidas como plaisanteries. Em países de língua inglesa o dia da mentira costuma ser conhecido como April Fool's Day, "Dia dos Tolos (de abril)"; na Itália e na França ele é chamado respectivamente pesce d'aprile e poisson d'avril, literalmente "peixe de abril".

No Brasil, o primeiro de abril começou a ser difundido em Minas Gerais, onde circulou A Mentira, um periódico de vida efêmera, lançado em 1º de abril de 1828, com a notícia do falecimento de Dom Pedro, desmentida no dia seguinte. A Mentira saiu pela última vez em 14 de setembro de 1849, convocando todos os credores para um acerto de contas no dia 1º de abril do ano seguinte, dando como referência um local inexistente. 

Tradicionalmente, supõe-se que as brincadeiras e piadas se encerrem à meia-noite. Supõe-se que os feitos posteriormente tragam a má sorte ao perpetrador. Contudo, isto não é universalmente aceito, e muitas peças já foram praticadas depois da meia-noite. Alguém que não consegue aceitar os truques, ou tirar proveito deles dentro do espírito da tolerância e do divertimento também deve sofrer com a má sorte. Também se diz que aquele que for enganado por uma bonita menina será recompensado com o matrimônio, ou pelo menos a amizade dela.

Entre os temas que costumam ser mais utilizados como motivo de pegadinhas e piadas no Dia da Mentira estão:
  • Falar para o namorado que está grávida;
  • Falar para a esposa que foi demitido;
  • Falar para o filho que ele é adotado;
  • Falar para os seus amigos que você ganhou na loteria;
  • Falar que roubaram o seu carro;
  • Falar que vai sair do país e não volta mais;
  • Falar que vai se casar (mesmo não tendo noiva/noivo).
AS 50 MAIORES MENTIRAS

01 – Satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.
02 – Não nos procure, nós o procuraremos!
03 – Pode deixar que eu te ligo.
04 – Puxa, como você emagreceu!
05 – Fique tranquilo, vai dar tudo certo.
06 – Quinta-feira, sem falta, o seu carro vai estar pronto.
07 – Pague a minha parte que depois eu acerto contigo.
08 – Eu só bebo socialmente…
09 – Isso é para o seu próprio bem…
10 – Eu estava passando por aqui e resolvi subir.
11 – Estou te vendendo a preço de custo.
12 – Não vou contar pra ninguém.
13 – Não é pelo dinheiro, é uma questão de princípios.
14 – Somos apenas bons amigos…
15 – Que lindo é o seu bebê!
16 – Pode contar comigo!
17 – Você está cada vez mais jovem!
18 – Eu nem reparei que você usava peruca…
19 – Nunca broxei antes.
20 – Você foi a melhor transa que eu já tive!
21 – Não contém aditivos químicos.
22 – Estou sem troco, leve um chiclete.
23 – Obrigado pelo presente, era exatamente o que eu estava precisando….
24 – Não se preocupe, essa roupa não vai encolher.
25 – Não se preocupe, essa roupa vai ceder.
26 – Essa roupa é a sua cara!
27 – Eu não pude evitar.
28 – Tudo o que é meu é seu.
29 – A inflação vai cair.
30 – Eu não sou candidato.
31 – Começo a dieta na segunda…
32 – O trabalho engrandece o homem!
33 – Isso nunca aconteceu comigo…
34 – Isto vai doer mais em mim do que em você.
35 – Dinheiro não traz felicidade.
36 – Você sempre foi a única!
37 – Pode ir que vou depois.
38 – Eu nem estava olhando…
39 – Que bom que você já arrumou outra, estou feliz.
40 – A amizade é o que importa.
41 – Juro que não estava sabendo!
42 – Não fui eu que contei.
43 – Está perfeito!
44 – Esse carro nunca foi batido, só fica na garagem…
45 – Não folga que sou do jiu-jitsu!
46 – Eu liguei, mas ninguém atendeu…
47 – Beleza e dinheiro não importam, e sim estar feliz.
48 – Ela era virgem quando a conheci.
49 – Nunca te traí!
50 – Essas mentiras acima, nunca falei…

Mas alguns escritores, que têm foco no público infanto-juvenil, trabalham a ética contrária à mentira para ajudar na formação moral das crianças e jovens.  Walt Disney, por exemplo, nos EUA, criou uma versão para o clássico infantil Pinóquio, dando ênfase à brincadeira, mostrando para a criançada o quanto mentir pode ser ruim e prejudicial para a vida das pessoas. Aqui no Brasil, Ziraldo, um escritor brasileiro da literatura infanto-juvenil, também conta histórias sobre as mentiras, através do tão famoso personagem, o Menino Maluquinho. Em "O Ilusionista", Maluquinho descobre o mal provocado por roubar, fingir e mentir. 

quinta-feira, 30 de março de 2017

METODOLOGIA DA FOLKCOMUNICAÇÃO

http://www.revistas.uepg.br/index.php/folkcom/article/view/521/353

Apontamentos sobre uma Metodologia de Folkcomunicação:
Uma análise da literatura de cordel como produção de notícia na obra de Téo Azevedo (1)

 Sebastião Breguez (2)



RESUMO: O autor analisa as novas formas de ver a Folkcomunicação através de novas metodologias através de estudo da Literatura de Cordel como manifestação comunicacional das classes populares e, desta forma, como jornalismo popular, com a produção de notícias. E ainda com direito a produção da Edição Extra ou Edição Extraordinária sempre que os fatos e acontecimentos forem de grande repercussão social. Vamos enfocar o estudo na obra do repentista e cantador popular mineiro Téo Azevedo, mineiro do Norte de Minas – uma das regiões mais pobres do Estado, que adquiriu celebridade nacional pelo volume de cordel publicado e também pela sua obra de repentista. Atualmente, ele mora em São Paulo e participa da programação cultural de Tvs e shows por todo o Brasil e também pelo exterior.

Palavras-chave: Metodologia, Folkcomunicação, cordel.

Uma Breve Introdução

 A análise dos processos comunicacionais das classes populares foi iniciada pelo pernambucano Luiz Beltrão em meados da década de 1960 quando ele cunhou a expressão Folkcomunicação como estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de ideias. A partir daí se visualizou que na nossa sociedade existem classes sociais com processos comunicacionais diferenciados. A classe dominante, por exemplo, tem à sua disposição todo um aparato tecnológico de comunicação, que chamamos indústria cultural, com a produção de jornais, revistas, livros, discos, CDs, filmes etc.

Mas as classes populares também se comunicam e utilizam tudo o que podem para expressar suas ideias, sentimentos, modos de pensar, sentir e agir. Assim, a produção da notícia como fator de informação não é um fenômeno da elite: as classes populares também produzem e difundem a notícia com o seu próprio sistema de comunicação impressa. A Literatura de Cordel, assim, é jornalismo popular, é produção de notícia popular impressa que atinge um universo bem grande de pessoas no Nordeste brasileiro, mas também em regiões onde esses meios cresceram e se desenvolveram.

Hoje, com a evolução da Rede Folkcom e a organização de congressos nacionais em universidades brasileiras, dezenas de estudos e pesquisas tem mostrado a influência e a importância da comunicação popular e difusão da informação. O objetivo deste artigo é analisar esta forma de comunicação e de produção de notícia na obra de Téo Azevedo.

1 –

O nosso objetivo, neste artigo, é resgatar o vigor criativo da literatura de cordel do Norte de Minas na vida e obra do cantador e repentista Téo Azevedo que tive a oportunidade de apresentar ao público mineiro já nos idos de 1978. Ele é um dos últimos, talvez o último, elemento vivo do cordel mineiro, que se manifesta com toda pujança e força de expressão e manifestação comunicacional e artística. Téo tem hoje uma presença especial na vida artística brasileira, ostentando uma obra composta por 1500 músicas gravadas por diversos interpretes, uma centena de livretos de cordel publicados, uma dezena de discos editados e também de CDs. Participa, como representante de Minas Gerais, de todos os principais festivais que acontecem no Brasil, de Norte a Sul, e, principalmente, em São Paulo, cidade cosmopolita onde toda a expressividade da cultura brasileira tem seu ponto de apoio.

O cordel, que é originário de Portugal, teve muita influência cultural no Nordeste brasileiro, mas teve ramificações em Minas Gerais, principalmente, no Norte de Minas, onde é forte a influência nordestina. Há um preconceito em associar-se o cordel como forma de expressão cultural genuinamente do Nordeste brasileiro. Mas o processo de migração do povo brasileiro, trouxe uma grande população para a região Norte e Nordeste de Minas Gerais. Ali as áridas condições do clima e da vegetação, além da pobreza generalizada, reproduziram os tipos humanos que se traduzem em expressões artísticas e se utilizam do cordel como forma de comunicar e manifestar ao mundo suas diversas formas de pensar, sentir e agir.

Minas Gerais é estado diversificado em manifestações culturais, pois recebeu influência de vários povos e etnias que migraram para cá. Assim, não é exagero dizer-se que o Norte de Minas se constitui num grande foco de manifestação do folclore brasileiro por ser a região mais privilegiada em quantidade e diversidade de influências culturais, além de variados tipos e agentes de cultura. Numa comparação de tipos mineiros diferenciados por critérios de falar, do comer, do divertir, teríamos três grupos bem identificáveis: 

1) O mineiro da região de Juiz de Fora, vivendo em função do Rio de Janeiro; 
2)O mineiro do Sul de Minas, vivendo em função de São Paulo; 
3) O mineiro do Norte de minas, integrado ao chamado Nordeste, pois é ai que o Nordeste começa como clima e como característica cultural.

O Nordeste de Minas, além de ser o início do Nordeste era o antigo caminho da estrada Baiana na época em que as imigrações eram feitas em animais de montarias.Assim, a região recebia influência do Sul, como por exemplo, o Folguedo Goiano que descende da Catira e que hoje está presente em algumas localidades da região.

Téo Azevedo, poeta e violeiro, nasceu em 2 de julho de 1943, em Alto Belo, distrito de Bocaiúva, no Norte de Minas Gerais, entre os vales dos rios Verde, Jequitinhonha e São Francisco. Filho do poeta e cantador Teófilo Isidoro de Azevedo (1905-1951), também famoso contador mineiro, herdou do pai a vocação para a poesia popular. Seu pai, que virou figura legendária na região, figurando em poema de Carlos Drummond de Andrade, era alegre folião de reis, aboiador, repentista, pequeno comerciante, tropeiro e ferreiro do local. Téo, assim, herdou do pai o gosto pelas coisas do povo e mais do que isto o domínio das técnicas poéticas e musicais. Estas mesmas técnicas que, passam de pai a filho, de geração a geração, pela tradição, proximidade e oralidade, que são os processos naturais de preservação e expansão da cultura popular.

O cordelista mineiro, além do pai, não teve muitos professores da escola oficial. Frequentou pouco os bancos escolares, o suficiente apenas para concluir apenas o primeiro ano do Curso Primário. Aprendeu a ler e escrever, segundo conta, olhando as placas comerciais e folheando gibis e jornais. Com a morte do pai, teve que começar a trabalhar bem cedo para sobreviver. Já aos oito anos de idade ganhava a vida como engraxate, lavando carros, carregando malas e vendendo frutas.

Sua vida mudou, quando conheceu um camelo pernambucano, de nome Antonio Salvino, que vendia remédios pelas feiras e praças populares. Começou a trabalhar com ele e sua função era abrir rodas em praças públicas, chamando a atenção do povo com uma cobra jibóia enroscada no pescoço e cantando calango (uma das formas de repente em Minas Gerais). A partir daí nunca mais parou de cantar e a cantoria passou a ser sua forma de sobrevivência. Gravou o primeiro disco em 1965 no estúdio Discobel, do técnico Lourinho, da Rádio Itatiaia.

O disco trazia uma música folclórica conhecida no Norte de Minas, Deus te Salve Casa Santa (Cálix Bento), que ganhou nova melodia e o acréscimo de três estrofes de sua autoria. Nesta época, Téo começou a fazer abertura de shows em circos e praças públicas com o repentista mineiro Caxangá e os cantores Vicente Lima e Zé Brasil. Compôs várias músicas e em 1968 foi escolhido pelo jornal O Debate como ‘O melhor compositor mineiro do Ano’. Mas foi em São Paulo, onde Téo passou a morar a partir de 1969, que sua vida artística tomou outro rumo.

Conheceu vários repentistas como Guaiatã de Coqueiros, o então Alceu Valença, Antônio Deodato, Maxado Nordestino, 4 Sebastião Marinho, Coriolano Sérgio e ficou conhecido no meio dos cantadores populares. Em 1978, lança o LP Brasil, Terra da Gente, quando ficou conhecido em Minas Gerais através dos jornalistas Carlos Felipe e Sebastião Breguez, através do jornal ESTADO DE MINAS.

Com o lançamento do livro LITERATURA POPULAR DO NORTE DE MINAS (SP, Editora Global, 1978) iniciou sua vida literária. Publicou também CULTURA POPULAR DO NORTE DE MINAS (Top Livros), PLANTAS MEDICINAIS E BENZEDURAS (Top Livros), A FOLIA DE REIS DO NORTE DE MINAS (Sesc-MG), ABECEDÁRIO MATUTO (Ed. Global), REPENTE FOLCLORE (Sesc-MG), TIOFO, O CANTADOR DE UM BRAÇO SÓ (Ed. Global), DICIONÁRIO CATRUMANO -Glossário de Locuções Regionais (Ed. Letras & Letras), AS ERVAS QUE CURAM (Motivo Cultural), entre outros. Entre os discos que editou estão: Grito Selvagem (Independente, 1974), Brasil, Terra da Gente (Copacabana, 1979), O Canto do Cerrado (WEA, 1980), Cantador Violeiro (Copacabana, 1987), Cultura Popular (Independente, 1993), Tio e Sobrinha (Copacabana, 1995), Téo Azevedo, o cantador de Alto Belo (Pequizeiro-Eldorado), Solos de Viola em Dose Dupla (Pequizeiro-Eldorado), Ternos de Folia de Reis de Alto Belo, Folia de São José do Alto Belo (PequizeiroEldorado, 1999), Forró Calango & Blues (Pequizeiro-Eldorado, 2000). Gravou dezenas de discos de 78 rotações e compactos.

É criador do selo Pequizeiro Produções Artísticas, desde 1998. As músicas de sua autoria têm tido inúmeros intérpretes em todo o Brasil. Pode-se citar, entre eles, Luiz Gonzaga, Sérgio Reis, Clemilda, Tião Carreiro, Zé Ramalho, Banda Cacau com Leite, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Zé Côco do Riachão, Caju e Castanha, Milionário e José Rico, Banda de Pífanos de Caruaru, Cristina e Ralf, pimentinha, Fatael, Genival Lacerda, Valdo e Vael, Jackson Antunes, Domingos, Fernanda Azevedo, Danilo Brito, Ruth Eli e Jair Rodrigues.

Também no exterior, ele tem músicas gravadas com intérpretes como o saxofonista inglês Bobby Keys da banda Rolling Stones e com o gaitista de blues norte-americano Charlie Musselwhite. Ainda fez apresentações musicais em Portugal, em várias cidades, sendo o único cordelista a participar de eventos culturais em terras lusitanas. A repercussão da obra de Téo Azevedo tem sido analisada por vários estudiosos de cordel no Brasil e exterior. Nos EUA, o especialista J. Mack Curran, da Universidade do Arizona, fez alusão à sua obra em estudo sobre o cordel brasileiro.

O holandês Joseph Luyten, quando estava na Universidade de Osaka (Japão), também fez referência ao trabalho de Téo. Ainda na França, o especialista Raymond Cantel, da Sorbonne, também incluiu sua obra na coleção que organizou sobre a literatura de cordel brasileira. Enfim, a obra de Téo Azevedo é de resgate da cultura popular mineira, principalmente, a do Norte de Minas. Ele produziu, gravou, cantou todas as modalidades do cordel mineiro. Entre os quais se destacam o calango, o coco de viola, o lundu, o guaiano, a chula campeira e o repente.

2 –

Ao analisarmos o funcionamento da sociedade capitalista, numa observação de superfície, notaremos que as classes dominantes, que detém o controle dos meios de produção, veiculam os seus interesses e aspirações nas artes, nas ciências, na administração do Estado. Às camadas populares, só resta um meio de participação social: o folclore. É através do folclore que elas organizam uma consciência comum preservam experiências, encontram educação, recreio e estímulo, e dão expansão aos seus pendores artísticos. Afinal, fazem presente à sociedade oficial as suas aspirações e expectativas da realidade que as envolve.

Como disse com muita propriedade Antônio Gramsci, o folclore até hoje só foi estudado como elemento pitoresco e coletado como material de erudição. A ciência do folclore consistiu apenas nos estudos a respeito do método de coleta, seleção e classificação deste material. “Dever-se-ia estudá-lo, pelo contrário, como sociedade em contraposição (também no mais das vezes implícita, mecânica, objetiva) com as concepções elaboradas, sistemáticas e politicamente elaboradas e centralizadas em seu (ainda contraditório) desenvolvimento histórico”.

Uma dessas formas de que o povo se utiliza para apresentar suas ideias, fazer suas críticas à sociedade oficial é a literatura de cordel. Ou seja, através das diversas formas que compõem a literatura popular (em que a inventiva do povo não é limitada por seu grau de alfabetização) como na arte de jogar versos. De todas as variantes do Brasil, esta é uma forma que existe somente em Minas Gerais. No Norte de Minas, para ser mais preciso.

Através do poeta popular Téo Azevedo esta forma-arte de jogar versos - tem sido divulgada pelo Brasil afora, de Norte a Sul. Sua origem ainda não foi definitivamente esclarecida, mas tudo indica que é oriunda de Portugal e foi trazida pelos colonizadores. O próprio Téo Azevedo faz esta afirmação. Segundo ele, a origem portuguesa vem da música Caninha Verde, originada da região do Minho (Portugal). É um canto e dança com refrão, onde as pessoas vão improvisando versos ou cantando versos demorados, usando sempre o tema de refrão, trazido para o Brasil pelos iberos.

De maneira geral, tem–se aceitado a origem lusitana de nossa literatura de cordel. O próprio Teófilo Braga (1895) foi testemunho de que o nosso cordel se assemelhava com as “folhas volantes” portuguesas. Manuel Diegues Jr., por sua vez divide a Literatura de Cordel em três grandes vertentes ou grupos:

 • Temas tradicionais (romances e novelas, contos maravilhosos, estória de animais, anti-heróis e tradição religiosa);

• Fatos circunstâncias ou acontecidos (manifestação de natureza física, fatos de repercussão social, cidade e vida urbana, crítica e sátira, o elemento humano: Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Juscelino, fanatismo e misticismo como Antônio Conselheiro e Padre Cícero, cangacerismo com Antônio Silvino e Lampião, tipos técnicos e tipos regionais);

• Cantorias e pelejas (os desafios).

O que caracteriza a poesia popular do Norte de Minas Gerais são as cantorias e pelejas. São feitos e cantados por elemento do povo, os verdadeiros repórteres populares que, sem uma formação erudita, burguesa, oficial, sabem transmitir para o seu grupo social os acontecimentos de ordem política, econômica ou mesmo social. Os acontecimentos são narrados em Quadras, Sextilhas e várias outras modalidades.

3 –

Com base na obra de Téo Azevedo podemos classificar a poesia popular do Norte de Minas Gerais nas seguintes categorias:

Quadrinhas – Cada estrofe é formada de quatro versos de sete a nove sílabas, sendo que a segunda rima com a quarta. No Norte de Minas, o cantador não é obrigado a usar rima da última palavra do verso anterior.

Sextilha – Cada estrofe tem seis versos, sendo que cada verso tem de 7 a 9 sílabas. A segunda rima com a quarta e a sexta; as demais são livres.

Septilha – Cada estrofe tem sete versos, e cada verso sete a nove sílabas. A segunda rima com a quarta, a quinta com a sexta e a sétima com a quarta. As outras são livres.

Martelo Mineiro – Cada estrofe é formada de seis versos. Estes têm de 10 a 12 sílabas. A segunda rima com a quarta e a sexta. As restantes são livres. Este nome foi denominado por Téo Azevedo, por ter características que o distinguem do martelo nordestino. Este utiliza mais as estrofes formadas de dez sílabas, as chamadas décimas.

Sétima de Quelé – Cada estrofe tem sete versos e cada verso de 7 a 9 sílabas. A primeira rima com a segunda, a terceira com a quarta, a quinta com a sexta e a sétima com a quarta. Modalidade também criada por Téo Azevedo em homenagem à sua mãe.

Quadrão Mineiro – São estrofes de oito versos, sendo cada de 7 a 9 sílabas. A primeira, a segunda e a terceira rimam entre si, a quarta com quinta, terminando com qualquer palavra que tenha o final eiro. Por outro lado, a sexta rima com a sétima e a oitava, terminando ao cantar quadrão mineiro.

Calango – É uma das mais populares danças de Minas Gerais. São formadas de canto e baile que se realizam isolada ou conjuntamente. A dança é um ritmo quaternário, dois por quatro, parenlaçado e sem complicações coreográficas, repetindo os passos do samba urbano. A música é que se repete na característica do refrão típico.

Trocadilho em linha de letra – É uma estrofe com métrica livre, com todas as palavras iniciando com a primeira letra sempre igual. Exemplo: Passando perto poço, Pedi para Pedro Pra papai passear, Pedro permitiu papai, Paguei Pedro parente,  Permitiu papai passear.

Aboio do Norte de Minas – É o canto improvisado do vaqueiro, sem palavras, marcado exclusivamente por vogais, entoado ao conduzir o gado. O aboio é, então, de livre improvisação. O canto dos vaqueiros, apaziguando o rebanho, levado para as pastagens ou para o curral, é de efeito maravilhoso e fruto da sabedoria popular em todas as regiões pastoris. O cronista português Antonil (João Antonio Andreoni, 1650-1716) afirmou, “Guiam-se as boiadas, indo uns tangeadores diante, cantando, para serem desta sorte seguidos de gado’. 

Segundo Téo Azevedo, o aboio é dividido em três partes: 

Toada de Aboio – É a música improvisada ou decorada, e que ao seu final, faz-se o aboio original e sem letras, feitos de imprevisão com melodia só de sussurros.

Canto de aboio ou aboio de improviso – São pequenos sussurros de aboio original vindo a seguir os versos que podem ser em Quadras ou Sextilhas, decorados ou improvisados e depois com mais sussurros feitos por um ou mais cantadores. A segunda rima com a quarta, e esta com a sexta.

O improviso de melodia sem letra musical – Esta é, sem dúvida, a parte mais bonita do Aboio, onde um vaqueiro, numa melodia dolente e chorada vai improvisando o canto, levando, assim, toda a boiada. Este é o aboio autêntico e original que somente podemos ver nos campos e não nas festas e shows de repentismo.

NOTAS
1. Artigo originalmente apresentado no Núcleo de Pesquisa em Folkcomunicação no Congresso da Intercom/2005.

2. Professor-doutor, pesquisador e membro fundador da Rede Folkcom. 
E-mail: breguez@hotmail.com

FOLKCOMUNICAÇÃO: CULTURA DAS CLASSES SUBALTERNAS

http://www.bibliotekevirtual.org/index.php/2013-02-07-03-02-35/2013-02-07-03-03-11/566-cso/v24n38/4897-folkcomunicacao-a-comunicacao-das-classes-subalternas.html

Folkcomunicação: a comunicação das classes subalternas

Prof. Dr. Sebastião Breguez





O livro Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias, da editora da PUC/RS, com introdução de José Marques de Melo e notas de Juremir Machado da Silva e Antonio Hohlfeldt, traz o texto integral da tese de doutoramento de Luiz Beltrão, defendida na Universidade de Brasília em 1967.




Uma versão parcial, mas mutilada, havia sido publicada em 1970 pela Editora Melhoramentos, de São Paulo, com o título Comunicação e folclore. Quando esta primeira versão saiu, estava eu com dezessete anos de idade e já exercia o jornalismo no Diário do Rio Doce, em Governador Valadares (MG). Comprei o volume, li-o e escrevi uma resenha na minha coluna diária “Linha cultural”.



Aliás, havia iniciado uma série de matérias sobre os grandes estudiosos da cultura popular, como Sílvio Romero, Amadeu Amaral, Luis da Câmara Cascudo, Edson Carneiro. O livro de Luiz Beltrão, analisando as relações do folclore com a comunicação, logo me chamou a atenção. O estudo foi recebido com entusiasmo por este jovem pesquisador de cultura popular e também iniciante no jornalismo diário.

Portanto, ao fazer a presente resenha, visualizo as duas edições – a mutilada e a completa. A publicação, depois de ter ficado engavetado por 34 anos, do texto integral do principal estudo teórico de Luiz Beltrão sobre a Folkcomunicação é, sem dúvida, um acontecimento histórico para o público brasileiro, principalmente para os pesquisadores, professores e estudantes da área de Comunicação.

Com ela, a PUC-RS faz um regaste e reconhecimento a um produtivo pensador nacional que foi vítima da repressão política do regime militar. Seu crime, na época, fora estudar e desvendar, colocando-os a nu para a sociedade, os processos comunicacionais das classes populares, marginalizadas ou subalternas, que, não tendo espaço para expressar-se na grande imprensa, utiliza diversos processos rudimentares de comunicação e expressão, culturalmente ligados ao folclore.

O nome de Luiz Beltrão (1918-1986), jornalista e professor pernambucano, é fartamente citado na bibliografia de comunicação do País. Ele foi o primeiro brasileiro a se doutorar em Ciências da Comunicação e um dos pioneiros a se iniciar no caminho acadêmico-científico das pesquisas comunicacionais. A Intercom, que congrega os pesquisadores brasileiros da área, instituiu, para homenageá-lo, o Prêmio Luiz Beltrão, que, anualmente, destaca os principais nomes brasileiros da área.

Beltrão é autor de uma dezena de livros sobre os mais variados aspectos do jornalismo (Introdução à filosofia do jornalismo, 1960; A imprensa informativa, 1969; Jornalismo interpretativo, 1976; Jornalismo opinativo, 1980) da teoria da comunicação (Sociedade de massa: comunicação e literatura, 1972; Fundamentos científicos da comunicação, 1973; Teoria geral da comunicação, 1977; e Subsídios para uma teoria da Comunicação de massa, 1986) e da teoria da folkcomunicação (Comunicação e folclore, 1970; Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados, 1980; um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias, 2001).

O grande mérito de Luiz Beltrão, entretanto, foi o de desvendar os processos de comunicação das classes populares, que ele denominou de folkcomunicação, criando uma disciplina científica, no âmbito das Ciências da Comunicação, que hoje participa ativamente no campo da produção de conhecimento com teses, pesquisas, artigos de jornais e revistas, além de ter possibilitado a criação da Folkcom - Rede Nacional de Folkcomunicação, que já realizou cinco congressos e um seminário nacional.

A Folkcom é a mais nova associação de pesquisadores no âmbito das Ciências da Comunicação, criada em 1998, em São Bernardo do Campo, durante a I Folkcom – Conferencia Brasileira de Folkcomunicação, no campus da Universidade Metodista de São Paulo, com cerca de cinqüenta membros. Hoje ela tem a participação ativa de mais de quinhentos pesquisadores, como ficou demonstrado em Santos (SP), na V Folkcom, realizada em abril 2002, no campus do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), sob a coordenação local de Rosa Nava.

 É graças a seu seguidor imediato, Roberto Benjamin (UFRPE), que o público acadêmico nacional pode conhecer o pensamento folkcomunicacional de Luiz Beltrão. Mas foi devido ao esforço de José Marques de Melo, diretor da Cátedra Unesco-Umesp de Comunicação para o Desenvolvimento Regional que as idéias de Beltrão se cristalizaram em rede nacional de pesquisadores. Outros pesquisadores já trabalhavam isoladamente, produzindo estudos e artigos sobre temas folkcomunicacionais – como Joseph Luyten (Umesp), sobre jornalismo e cordel; Osvaldo Trigueiro (UFPB), sobre a repercussão midiática das festas populares; Severino Lucena (UFPB), sobre as apropriações mercadológicas do folclore; e Sebastião Breguez (UFV), sobre as relações entre o folclore e a cultura de massas. Mas faltava o instrumental teórico para continuar fomentando os estudos de folkcomunicação.

Este instrumental metodológico e teórico básico era a tese original de Luiz Beltrão, que a Edipucs nos apresenta agora com o título Folkcomunicação: um estudo dos agentes dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias. O livro tem uma introdução, da qual participam José Marques de Melo, que, aluno e seguidor de Luiz Beltrão, foi o guardião dos originais do livro; Antônio Hohlfeldt, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-RS; e Juremir Machado da Silva, que organizou a edição.

Com enfoques diferenciados, eles apresentam o pensamento do autor. Em duas partes, Beltrão trata da folkcomunicação: na primeira apresenta a teoria da folkcomunicação; na segunda traz uma pesquisa feita sobre a folkcomunicação no Brasil. Nas subpartes finais, registra as conclusões e a bibliografia que usou para trabalhar o tema. O que é interessante notar é que foi a partir da prática do jornalismo que Luiz Beltrão, já em 1936, quando publicou a primeira reportagem no Diário de Pernambuco, tratou da devoção e fé popular como experiência folkcomunicacional.

Aí seria o germe de sua grande incursão no campo teórico da teoria da comunicação. Pois, em um país de dimensões continentais, com uma diversidade de manifestações culturais, uma enorme diferença social das classes sociais, desníveis educacionais profundos, padrões de consumo e de renda distantes, apresentando um pequeno grupo com alta renda e a maioria com uma pequena, pequenina renda, é evidente que a comunicação não podia ser diferente. Enquanto que as classes dominantes organizam sua comunicação na mídia nacional (jornais, rádios, emissoras de tevê), as classes populares, marginalizadas dos bens de consumo culturais, utilizam os processos comunicacionais orais e artesanais.

Mas mantêm-se presentes à sociedade oficial as suas expectativas de vida, sua opinião, seus valores e com isto sobrevivem como grupo social, preservando a sua identidade cultural. As classes populares são críticas à sua situação de classe social e se manifestam também de maneira crítica à situação social em que estão inseridas, não sendo completamente passivas. Na verdade, o que Luiz Beltrão aponta como fundamento da Folkcomunicação é que não existe onipotência comunicacional na sociedade de classes.

Ou seja, numa mesma sociedade encontramos formas diferenciadas de cultura (cultura popular e cultura erudita), mas também de formas de comunicação. Enquanto as classes dominantes aprendem nas escolas a cultura e a comunicação oficial, as classes populares, marginalizadas do processo educacional e cultural, aprendem em seu próprio grupo as formas de comunicação pelo processo da oralidade (boca-ouvido), proximidade e convivência.

O que Beltrão visualizou no processo comunicacional brasileiro foi o mesmo que pesquisadores norte-americanos como Paul Lazarsfeld e Elihu Katz haviam observado nos Estados Unidos através do two steps flow of communication. Ou seja, a mídia que organiza o sistema de informação e lazer da sociedade de massa não consegue massificar, homogeneizar toda a sociedade. As classes populares não digerem totalmente as mensagens passadas pelos mass media e nem são passivos como se pensa.

Os efeitos da comunicação de massa são mediados e filtrados pelos líderes de opinião populares, uma espécie de gatekeepers. Luiz Beltrão chamou-os de agentes folkcomunicacionais que atuam nos grupos sociais de bairros da periferia, no meio rural ou nas 181cidades do interior. Estes líderes, verdadeiros agentes populares da comunicação (ou agentes folkcomunicacionais) reinterpretam e recodificam as mensagens, traduzem as mensagens da sociedade globalizada pelos media para os grupos populares.

Na primeira parte do livro, o autor apresenta seus pressupostos teóricos e metodológicos. Na segunda, faz análise da evolução da comunicação brasileira, do período pré-cabraliano, passando pelo domínio colonial português, até o Brasil República. Faz ainda inventário das principais manifestações culturais populares do Brasil contemporâneo. O que chama a atenção é que o Brasil foi essencialmente rural no período de 1500 a 1930. A fazenda foi, neste período, o núcleo da economia, da vida social, da produção cultural e da articulação política. Os incipientes centros urbanos não passavam de entrepostos para comercialização dos produtos rurais.

A produção cultural e a comunicação refletiam esta condição material da sociedade brasileira. É a partir de 1930 que o Brasil se industrializa e, com isso, a comunicação e a cultura se desenvolvem no meio urbano. Mas as classes populares não são assimiladas pela nova estrutura social urbana, mas são marginalizadas. Assim, o desenvolvimento do jornal, do cinema, do rádio e da televisão integram as classes sociais de forma heterogênea, pois não podia ser diferente. É normal, portanto, que, ao lado de uma cultura de elite, exista uma comunicação de elite e, ao lado de uma cultura popular, exista uma comunicação popular.

É exatamente esta dicotomia que Beltrão analisa, com pesquisas feitas na sociedade brasileira, com conclusões para a nossa sociedade formada por classes sociais distintas e distantes socialmente. É extremamente importante sua análise da circulação de informações na sociedade brasileira da década de 1960.

Do chofer de caminhão, que era o repórter de integração nacional. Do caixeiro-viajante, o vendedor ambulante, que percorria todo o Brasil para vender seus produtos e era o agente de divulgação das notícias e informações do que acontecia nos grandes centros urbanos. Da literatura de cordel, que publicava o relato jornalístico dos principais fatos e acontecimentos nacionais e internacionais Da queima do Judas, como festa nacional de protesto, quando o povo faz críticas a personagens da vida pública nacional, mostrando seu descontentamento com a sociedade dominante.   Das festas do Bumba-meu-boi, que acontecem fartamente nas regiões onde o boi não existe ou a carne bovina como alimento é coisa rara. Dos versos e das danças do congado e de outras festas populares, ao expressarem mensagens, sentimentos e opiniões do que pensam as classes populares sobre os dirigentes da Nação e as políticas governamentais. Das romarias a seus santos, em que o povo reinterpreta o sentimento religioso e busca alianças extraterrenas para escapar a seus sofrimentos físicos, mostrando seu desprezo e descontentamento em relação às classes dominantes.

Não eram nem os jornais impressos, nem as emissoras de rádios e tevê que integravam o Brasil no mundo da informação. Eram os agentes e meios populares de informação de fatos e expressão de idéias. Isto mostra o caráter elitista de meios oficiais de comunicação como o jornal, a revista, o rádio e a televisão. Embora estes meios tenham audiências estrondosas, principalmente os meios audiovisuais, a decodificação das mensagens não é feita de forma homogênea por todas as classes sociais.

As classes populares são dependentes de líderes de opinião como as lideranças de bairros, lideranças religiosas e lideranças sindicais nas grandes cidades. Mas também no meio rural e nas cidades do interior, onde há sempre uma desconfiança dos valores urbanos e mesmo as imagens que circulam nos meios de comunicação de massa. As classes populares dependem do carisma das suas lideranças, dos seus gatekeepers para assimilar as informações da sociedade oficial. Estamos já no Terceiro Milênio e a sociedade brasileira não está integrada à cultura alfabetizada que caracteriza a modernidade das sociedades industrializadas, as camadas populares ainda sobrevivem graças ao poder de informação da comunicação oral. Portanto, a Folkcomunicação, que estuda as áreas de sobrevivências do folclore e do rural, é uma área de estudo extremamente rica para nós.

Mesmo porque as sociedades altamente evoluídas urbana e industrialmente ainda mostram áreas populacionais em que a folkcomunicação é importante para a existência do grupo não só em formas culturais de identidade social, mas também de comunicação social. È por isto que não podemos, como fizeram muitos pesquisadores, transportar os modelos teóricos dos fenômenos comunicacionais europeus e norte-americanos para explicar a realidade brasileira.

Temos que usar estes para construir nossas explicações de como a sociedade brasileira se comunica, como as mensagens circulam através da mídia e o processo de recepção se dá no seio das classes sociais, que não são homogêneas em termos de renda, de erudição e de capacidade de decodificação das mensagens. Daí a importância de Luiz Beltrão como um teórico brasileiro, que se apóia na realidade brasileira, mosaica, complexa, heterogênea. Uma realidade que não pode explicada por modelos importados ou por teorias que contemplam análises de sociedades mais desenvolvidas economicamente e mais homogêneas em termos sociais e culturais.

A criação da Folkcom - Sociedade Brasileira de Estudos da Folkcomunicação e a realização de cinco congressos e seminários nacionais com repercussão internacional mostram bem que a disciplina criada por Luiz Beltrão em 1967 é uma área rica para os pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Assim como a proliferação de jornais e revistas digitais ou impressos ou mesmo de livros e teses de mestrado ou doutorado. E a resposta receptiva das associações de pesquisadores de Comunicação, criando núcleos de pesquisas para permitir estudos e trabalhos acadêmicos sobre o âmbito da folkcomunicação. Neste último aspecto, a Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, a Felafacs - Federación Latino-Americana de las Facultades de Comunicación, a ALAIC - Asociación Latino-Americana de Investigadores de la Comunicación e a Lusocom - Federação Lusófona de Ciências da Comunicação assumem a importância da nova disciplina no âmbito dos estudos comunicacionais.

É por isto que a publicação integral da tese de Beltrão é importante para servir de farol no desenvolvimento destes estudos.


Sebastião Breguez Jornalista, doutor em Comunicação pela Universidade de Estrasburgo (França), professor da Universidade Federal de Viçosa (MG), coordenador do Núcleo de Pesquisa de Folkcomunicação, da Intercom.