quinta-feira, 23 de março de 2017

MARXISMO E JORNALISMO NO BRASIL - 1968-70



México, México
http://www.saladeprensa.org/art248.htm
Sala dPrensa

34Agosto 2001
Año III, Vol. 2

WEB PARA PROFESIONALES DE LA COMUNICACION IBEROAMERICANOS
A R T I C U L O S

Marxismo e jornalismo no Brasil:
Depoimento sobre os años 68-70

Sebastião G. Breguêz *

RESUMO:1968, Governador Valadares (MG). Participando de grupo de amigos, em 1968, em Governador Valadares, MG, todos ligados a Igreja Metodista local, fizemos as primeiras leituras dos clássicos do marxismo. O grupo se reunia em casa de uma professora, Dorcas de Castro, casada com um bancário, Tito Lívio. A dona da casa, Dorcas, era uma espécie de liderança espontânea do grupo. Tinha as principais obras de Marx, mas também dos líderes da rebelião jovem de 68 como Marcuse, a Escola de Frankfurt e, principalmente, exemplares da REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA e da REVISTA PAZ E TERRA. Também juntávamos dinheiro para comprar os livros. Cheguei a editar um jornal mimeografado na igreja Metodista de GV, o MONUMENTO (o título impresso em vermelho em tom forte). As discussões eram sobre as injustiças sociais, a mais valia, a exploração do homem pelo homem, mas também sobre a psicologia e as experiências pedagógicas de Summerhill, na Inglaterra. Misturava-se também Freud e Reich, com os estudos sobre a sexualidade. Desse grupo, alguns foram presos e torturados, pois da teoria saiu a praxis por um mundo melhor. O grupo marxista da Igreja Metodista de GV foi alvo de discussões e polêmicas. Houve intervenção da cúpula Metodista e um pastor jovem foi enviado para cuidar do grupo. Mas a casa de uma professora, metodista, culta, foi o centro de iniciação à crítica social, de introdução às primeiras lições do marxismo científico, a filosofia do Materialismo Dialético, da importância do fator econômico sobre a história. Desse grupo, continuaram no jornalismo: Elias Siqueira, José de Castro, Getúlio Bittencourt, Olavo Fróes e Sebastião Breguez.


O objetivo deste trabalho é mostrar como que a Igreja Metodista de Governador Valadares MG, no Vale do Rio Doce, distante 300 Km de Belo Horizonte, foi centro de difusão do pensamento marxista nos anos 68-70. Uma liderança jovem de comunicadores se formou na cidade, com base no pensamento social de Karl Marx e os filósofos do Movimento de 68 (Marcuse e a Escola de Frankfurt), e partiu para atividades políticas na região. 

Este trabalho de difusão do marxismo, entretanto, não nasceu das lideranças religiosas (pastores e religiosos), mas da base da igreja, dos filhos de classe média, que tinham acesso às escolas, jornais, revistas e livros. A circulação de informação era grande na cidade, onde se encontravam nas livrarias os livros mais lidos no país e as bancas de revistas tinham todos os principais jornais: Correio da Manhã, O Jornal, Jornal do BrasilO GloboO Estado de S. PauloA CarapuçaO Pasquim, etc. 

O que chama a atenção é porque a Igreja Metodista? O que tinha ali que provocou a busca do marxismo?Governador Valadares é uma cidade que situa-se em uma confluência espacial importante: está às margens da rodovia Rio-Bahia, na metade do caminho entre o Rio e a Bahia, mas também está às margens de rodovia que liga a cidade a Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Portanto, a comunicação rodoviária é privilegiada e permite a ida e a vinda de populações passageiras. Muitos nordestinos, que migram para o Rio ou São Paulo, acabam parando ali para descansar, permanecem e criam raízes com famílias e comércio. 

Esta população flutuante, entretanto, pode ser a causa da fama de cidade violenta, que a localidade teve, na década de 1940-60. Foi considerada a cidade do bangue-bangue, do crime fácil, sem motivo, onde "se mata por prazer". Ai criam-se, então, classes sociais distantes e polarizadas em uma região onde a terra é o bem mais importante.

Da terra saem os ciclos econômicos principais: a extração da madeira e conseqüente destruição da mata atlântica nativa, que desenvolveu as serrarias; o desenvolvimento da lavoura da cana para produção de açúcar; a extração da mica (malacacheta); a extração de pedras semipreciosas; e, por último, a criação de gado com fazendas modelos. 

A sociedade é polarizada e hierarquizada, do ponto de vista social: de um lado, os ricos proprietários rurais, donos de prósperas fazendas com terras cheias de pedras preciosas e, de outro, os recém-chegados, pobres, despossuídos, que pensavam que tinham encontrado a Terra Prometida, a Eldorado ou Nova Jerusalém. Os conflitos sociais se espalham.

Contexto necesario
Nilson Lage *
No início da década de 60, forças econômicas e políticas mobilizaram-se, no Brasil, com apoio dos interesses europeus e norte-americanos, para depor o presidente constitucional, João Marques Belchior Goulart. Dado o golpe, em 1964, as primeiras vítimas foram a estrutura sindical e as hierarquias militares, sujeitas a vigoroso expurgo. Destruída a estrutura de gestão colegiada da Previdência Social, submetidos à intervenção sindicatos e federações, pensava-se ter quebrado a espinha dorsal do esquerdismo no País.
A classe média e o estamento político mantiveram-se alheios a esse processo. A primeira, embora constrangida aqui e ali, prosseguiu com seus hábitos de consumo; o segundo continuou sonhando com eleições com as quais restabeleceria os poderes tradicionais, sem o incômodo das ligas camponesas ou das reivindicações operárias. Data, no entanto, dessa época, as primeiras manifestações de inconformismo do baixo clero católico, mobilizado pelas proposições ambíguas do concílio Vaticano II.
Foi só em 1968, quando segmentos da própria classe média – estudantes, pessoal de escritórios, advogados, outros profissionais liberais – saíram às ruas, nas grandes cidades brasileiras, e foram reprimidos pelos militares, que a revolução deixou de ser considerada por todos benigna: segmentos de prestígio entraram a contestá-la, por palavras e atos. Adveio o Ato Institucional número 5 e o fechamento do regime naquilo que é evidente: liberdade de imprensa, liberdade de ir-e-vir, esperança de eleições - digamos, democráticas.
É a essa época que se reporta o texto de Sebastião Breguez. Trata-se do relato do que ocorreu então na cidade de Governador Valadares, no Norte do Estado de Minas Gerais – hoje com cerca de 300 mil habitantes. Lá, ao contrário do que ocorria em outras partes do Brasil e em outros países da América Latina, a Teologia da Libertação não tinha espaço na Igreja Católica, firmemente associada aos fazendeiros.
Fundada há 30 anos, Governador Valadares sofrera a influência dos americanos que construíram a ferrovia do minério, que conduz ao porto de Vitória, no Espírito Santo (nos anos 80 e 90, ela seria conhecida pelo número de pessoas que emigraram para os Estados Unidos. Era um centro rural e mineiro, onde a Igreja Metodista tinha grande importância. Nela, e não nas paróquias católicas, começou-se a estudar a sério a literatura revolucionária dos Séculos XIX e XX: Marx, Freud, a Escola de Frankfurt.
O mundo parecia transformar-se: nos Estados Unidos, os Panteras Negras e Woodstock. Na França, o Chienlit. Em Governador Valadares, uma esperança que se construía esta estranha costura latino-americana da dialética materialista com o subjetivismo freudiano e o idealismo religioso.
O que é importante ressaltar, no primeiro momento, é que a Igreja Metodista sempre esteve presente no desenvolvimento cultural, social e econômico de Governador Valadares. Foi importante para a criação e urbanização da cidade nos anos 1930-40, sendo que o templo metodista foi um dos primeiros edifícios que se construíram ali. Teve papel social importante ao dar abrigo a populações pobres com trabalho de alfabetização e difusão do Evangelho. Os índios Krenak, por exemplo, foram acolhidos ali e tiveram ajuda para se integrar à sociedade oficial, sendo alfabetizados e recebendo as primeiras letras. Eles tiveram suas terras apropriadas pelos fazendeiros, foram tirados da vida natural em que viviam, e se transformaram em uma espécie de 'novos pobres' da sociedade local. O público, assim, da Igreja Metodista era formado pelas populações pobres e despossuídos da localidade. Pode-se dizer que as classes sociais se dividiam em termos de participação religiosa. Os ricos e prósperos fazendeiros pertenciam à Igreja Católica, os pobres e despossuídos na Igreja Metodista (e igrejas protestantes da cidade).

Governador Valadares é um caso especial, que chama a atenção, pois, desde o início de sua formação, também teve a presença estrangeira, principalmente, norte-americana. Foram os engenheiros norte-americanos que projetaram a Estrada de Ferro Vitória a Minas, da Companhia Vale do Rio Doce. Foram eles também que descobriram as riquezas minerais da cidade. Primeiro, a mica, malacacheta, que era importante na indústria eletrônica mundial e foi muito usada na indústria bélica na Iiª Guerra Mundial. Segundo as pedras semipreciosas, que intensificaram o comércio Brasil-EUA nesta área, inclusive, fazendo desenvolver ali um importante artesanato de pedras semipreciosas para exportação. Este ciclo, entretanto, terminou no princípio da década de 1990, devido à dolarização da moeda brasileira.  GV foi sempre uma cidade que teve jornais e um desenvolvimento cultural grande.

Os movimentos agrários, camponeses, também se desenvolveram muito na região na década de 1950-60, exigindo a reforma agrária. O Sindicato Camponês era forte na região com uma grande capacidade de mobilização, que amedrontava os fazendeiros, que tinham medo de terem suas fazendas invadidas de forma violenta. Junto da mobilização sindical e de esquerda, surgem, na cidade, jornais de esquerda, principalmente, O COMBATE, dirigido pelo comunista Carlos Olavo, que estampava títulos em vermelho e combatia a elite agrária de fazendeiros prósperos, reunidos no Sindicato Rural. Para neutralizar o jornal, foi criado o DIÁRIO DO RIO DOCE (1960), financiado pela elite agrárias e comerciantes, reunidos na Associação Comerciais local. Seu primeiro Editor foi o jornalista Mauro Santayana, por paradoxo do destino, ele era militante de esquerda...O movimento esquerda/direita polarizou a cidade e a região, principalmente, os conflitos no campo. O banditismo também cresceu e criou figuras lendárias como o Cabo Antônio Augusto e o Capitão Pedro que caçavam os bandidos.

Com o golpe militar de 1964, os movimentos de esquerda foram aniquilados pelos militares em Governador Valadares. As lideranças foram presas, alguns se exilaram, outros sumiram ou foram mortos. Mas a formação de novas lideranças acontece a partir dos 1968-70. Desta vez, não mais nos sindicatos camponeses ou em grandes jornais, mas dentro da Igreja Metodista. Por que ? Ora, sabemos que durante os 20 anos de República Militar (1964-1984) houve duas grandes instituições nacionais que foram importantes. Uma foi o Exército (as Forças Armadas), que controlou o sistema político; e a outra foi a Igreja. Aqui entende-se a igreja (católica ou protestante) como instituição religiosa, de difusão de fé e valores cristãos.

A Igreja é espaço inviolável no Brasil, mesmo até pelas forças de repressão política. Por isto, pode-se estudar marxismo e conspirar dentro das igrejas sem que a polícia política se aperceba. Foi o que aconteceu na localidade. Mas, ao contrário da maioria de casos no Brasil, a nova esquerda, a esquerda jovem, surgiu em Valadares na Igreja Metodista e não na Igreja Católica. Pois, ali a instituição católica era aliada da elite agrária dominante, os grandes fazendeiros do Vale do Rio Doce.

Em meu trabalho de pesquisa, ainda em andamento, estou entrevistando pessoas que fizeram parte do movimento jovem de esquerda da Igreja Metodista de Valadares como: Alen Boechat (hoje engenheiro civil em GV), Elias Siqueira (jornalista, atualmente, morando em Boston, EUA), Sueli Siqueira (socióloga, professora da Univale, em GV), Olavo Fróes (jornalista, vive em Belo Horizonte), Suelio Siqueira (engenheiro, mora em BH), Dorcas de Castro (professora, mora em Brasília), Neemias de Castro (doutor em Bioquímica, mora em SP), José de Castro (jornalista, mora em Recife), Mauro Santayana (jornalista, mora em Brasília), além de outros.

Enfim, estas são as primeiras anotações que tenho da pesquisa ora apresentada. Para concluir, posso dizer que a Igreja Metodista de Governador Valadares teve papel importante na construção de um pensamento comunicacional marxista na região do Vale do Rio Doce nos anos 1968-70. Ela propiciou a criação de um grupo de jovens, sob a liderança da professora Dorcas de Oliveira. As primeiras leituras marxistas, os primeiros debates, a discussão em torno dos problemas sociais, no campo e nas cidades, os debates sobre as contradições do capitalismo, a exploração do homem pelo homem, as injustiças sociais, a concentração de renda e a dominação política da sociedade por uma privilegiada e minoritária classe burguesa, que é proprietária dos meios de produção. Deste grupo, alguns partiram para a luta armada contra o regime militar, outros foram estudar em Juiz de Fora, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. Mas o ideal permaneceu: o de ver a sociedade mais justa, mais humana e com as mesmas oportunidades para todas as classes sociais.
Belo Horizonte, maio de 2001.

Prof. Dr. Sebastião G. Breguêes colaborador de Sala de Prensa. Coordenador do Curso de Comunicação do UNIS-Centro Universitário do Sul de Minas (Varginha). Texto do trabalho apresentado no CELACOM 2001. Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação e Desenvolvimento Regional, S. Bernardo do Campo, maio, 2001. O GRUPO MARXISTA DA IGREJA METODISTA DE GOVERNADOR VALADARES (MG)  – Marxismo e Cristianismo protestante nos anos 68.
Nilson Lagees miembro del Consejo Editorial de Sala de Prensa. Periodista, doctor en Lingüística y profesor titular de la Universidade Federal de Santa Catarina desde 1992.

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